TREZE DE NOVEMBRO
Amanheci com um incômodo quase físico em minha consciência,
certo de que os erros permanecem e me avassalam.
Sinto-me mal sem razão outra que me sentir: Sou um país frio e nevoento hoje.
Nuvens pesadas avançam sobre um mar cinzento. Ressaca nos costões e vento, muito vento.
Abro os olhos e o dia ensolarado dos trópicos contrasta com a minha paisagem interior. Por mal dos pecados,
habita em mim um desassossego contínuo de estar vivo. Ora, isso me impulsiona a buscar completar-me e distinguir-me do que fora; Ora, apenas me faz desabar num niilismo débil e doentio.
Desajudo-me. Desajusto-me.
Uma inoportuna vontade de excessos; um desejo patético de vício e imperfeição. Anjo decaído, levo de arrasto metade das estrelas do céu enquanto despenho das esferas celestiais. Não me custa danar metade da humanidade pela frívola necessidade de dar sentido à pregação do reverendo...
Por que Deus permite o mal existir?
Desejo de ser lesma e deslizar sobre meu próprio visco. Ser pequeno a ponto de poder ser esmagado num acto de histeria. Existir por pura distração daqueles que deveriam manter o Universo limpo e virtuoso. Eu, que não sou limpo e virtuoso, carrego junto com meu corpo as contradições de ser e não ser.
O Evangelho nos define: "servos inúteis"... Que oximoro! Um servo que não serve para nada e não muda nada. Inúteis nossos comedimentos ou intemperanças, pois, de um modo ou de outro tão-só perpetuamos essa complexa teia de tentativa-e-erro que nos é a existência. Se vivermos como santos, talvez nos abandonemos a ponto de não cogitar, logo, não ser.
Não por mérito que se alcança os céus. Nem pela fé ou pelas obras alguém se torna partícipe do Reino. Deus, se existir, vai fazer o que bem quiser conosco no dia do Juízo. Só nos resta esperar a segunda vinda do Senhor ou a morte, o que vier primeiro. Gloriosos ou não, deixaremos de ser.
Não pensaria sobre essas coisas se estivesse bem... A fé de meus pais me daria alento ao invés de angustia. Ler as Escrituras, ordenaria o Cosmo apesar de mim. No entanto, cá estou eu empilhando disparates em frases sem qualquer rigor filosófico. Argumento no vazio que contemplo nesse dia de sol que minh'alma obscurece.
Como não estou bem - e confesso, sinceramente, que não sei porquê -- eu destilo fel em frases insípidas; despoetizo; talvez. Eu, que amo tanto o lirismo, não fui capaz de jogar luzes em cacos de vidro hoje.
Ao contrário, hoje apenas o que tenho a oferecer nesses versos é a falta de luz. Como uma fotografia noturna onde o lampejo falha e quase nada se vê (fiz muitas fotos assim ontem à noite...). O dia seguinte veio, contudo, e não há quase nada a e revelar da noite anterior. A incompetência do fotógrafo retrata a escuridão do poeta.
Betim - 2017
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.