Foi na antiga Ubatuba, ainda na década de 60, é o que me diz um amigo que tinha casa no litoral. Era difícil o acesso à cidade. Ubatuba ainda era um vilarejo.
A vidinha de Amaro não tinha qualquer novidade. Passava os dias dentro de casa. Ia ao quintal, corria atrás das galinhas e depois ficava sentado numa cadeira debaixo de uma mangueira tentando pegar mosquitos no ar.
Precisava de acompanhamento para ir ao banheiro, pra se lavar, pra se vestir e pra comer.
Algumas vezes foi levado à praia pela família para colocar os pés sob as espumas das ondas do mar. Mas Amaro nunca saiu de Ubatuba. Não teve amigos. Nunca namorou e nem experimentou o corpo de uma mulher. Nasceu daquele jeito e ponto final.
Às vezes ficamos sem entender, porque há vidas assim. Porque Deus permite existências cheias de privações. Isto nos faz refletir sobre as graças que recebemos. E também nos faz pensar sobre os destinos. Há por detrás dos destinos, um mistério. E cada um tem o seu que é intransferível.
O batente da janela tinha marcas dos cotovelos de Amaro. Depois de um dia quente, após o jantar, ele colocava os cotovelos sobre a madeira e fazia um discurso desprovido de lógica e concatenação para os ouvidos normais.
Amaro xingava. Soltava impropérios. Mexia com quem passava na rua. Não falava coisa com coisa. Estabelecia monólogos. Tornava a xingar. Parecia agressivo.
Quem o conhecia não dava bola. Passava quieto. Fazia parte da rotina da cidade. Amaro ficava horas na janela. Depois de muito esbravejar, estava apaziguado e a sua mãe o colocava para dormir antes das 9 horas da noite.
Naquela hora, na antiga Ubatuba dos caiçaras, o mar bramia e soprava sobre a cidade silenciosa sem os ruídos dos automóveis e da civilização. E sobre o mar, as estrelas piscavam no imenso céu escuro.
Naquela hora, Amaro simplesmente dormia o tranquilo sono das crianças e dos anjos.
Luiz Felipe Rezende