que vejo eu?
vejo o nada, apenas.
mesmo assim, a imagem me vem
pela luz do meu poeta,
hirto e translúcido
a subir, sem preconceitos
os morros empoeirados e empoleirados,
da cidade onde eu vivi.
que imagem,
que viagem, meu companheiro!
desço dessa cadeira fria
e aqueço o termômetro de meus ressentimentos.
embarco nessa viajem aconchegante
de portas arreganhadas
dos escritórios ensolarados
e das clínicas ensandecidas.
ah, quero ver e me envolver nessa beleza simples;
nada vale mais que isso;
nem mesmo a beleza
do eterno verde de minhas montanhas inexpugnáveis,
pois o que me basta é o morro.
quero andar de pés descalços,
quero sentir o cheiro agridoce da pitanga,
quero ver o amarelo do ipê
na floração efêmera da primavera.
que vejo eu?
vejo o nada apenas!
ora me perco em sonhos
no brilhante amarelo de meu país
no emaranhado irregular da rua em poeira,
no casario do meu passado
nos acordes de um samba de adoniram
nos trejeitos irreverentes da passista,
numa terça feira de carnaval.
ah, poeta!
fala da lua cheia despontando da piedade
a serra que nos protege.
fala da estrela da manhã
cujo nome se trocou de vésper
e se rebatizou de d’alva.
fala dos campos floridos
dos cachos feito pêndulo
emergindo dos bananais.
fala dos seixos articulados
repousando a margem de seus rios
fala dos vaga-lumes com suas tochas azuladas e cintilantes
riscando os caminhos da madrugada.
fala do barro massapê
fala das margaridas,
fala das sempre vivas
e das borboletas que flutuam como folhas secas ao vento.
mas, que vejo eu
nessa anêmica manhã,
senão os escondidos reflexos da solidão?
ah, poeta, meu poeta!
fala mais...
fala mais dos sonhos de meu povo,
fala do coqueiro que viceja na ravena,
fala dos amores,
das dores
fala de mim
fala do meu povo;
fala dos miseráveis
fala dos infelizes
(que os felizes
não merecem ser citados).
fala poeta!
fala de nossos matizes
de nossas andanças descontraídas
pelas ruas silentes, de uma cidade em transe.
fala dos albores da vida,
dos amores incompreendidos,
fala dos perdidos,
fala dos desvalidos,
fala das mães solteiras
fala das que são mães apenas
- que as mães não se classificam por estado.
ah, fala mais, filho da mãe!
que eu não posso mais ficar aqui
sem sua poesia.
fala, poeta!
fala pois eu te escuto
fala pois sou sua miragem
que eflui no mágico som que vem do mar,
fala pois preciso dos encantos seus
e de sua poesia,
e do viver, viver eternamente
em minhas lembranças.
fala, que eu preciso ouvir
pra não me ver perdido,
como um duende errático
encurralado num insólito jardim de inverno.
Leia de Wagner M. Martins
FALA, FILHO DA MÃE!!! - Capa Paulo Vieira
UM BICHINHO À TOA. - Capa: Camilinho
Participação:
Livro OLHA PROCÊ VÊ! de Elias Rodrigues de Oliveira
No prelo:
UM INTRUSO NO QUINTAL
Composição a partir de um e-mail de heliane