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ouço

 
noites onde o escuro é feito unicamente de sons – ouço o coração. ouço o corpo a mingar. ouço vozes com saudade e outras que não consigo esquecer – ouço o medo. ouço os pés no caduco e gargalhadas de pânico também – ouço – ouço o terror. ouço as pernas presas ao destino e os pulmões a suplicarem um último cigarro – ouço as mãos a pedir papel. ouço o negrume do tinteiro e ouço os dedos a bater palavras sem sentido – ouço – ouço a brisa. ouço o tempo que faz na rua e também ouço o tempo que faz dentro de mim – ouço aflição. ouço as montanhas a parir um rato e ouço o sino a bater quartos como se fossem horas de partir – ouço – ouço os cantos à casa. ouço o corpo a virar de lado para lado e ouço o que não mereço ouvir – ouço o outono. ouço os sorrisos das corujas e ouço pássaros que não sabem que existo – ouço – ouço as marés. ouço as gaivotas no mar e também ouço gaivotas que não sabem voar – ouço saudade. ouço fantasmas que não conheço e ouço fantasmas que ajudei a nascer – ouço – ouço a viagem. ouço um futuro que não pisarei e ouço sapatos que não são meus – ouço o mundo com estes ouvidos que me nasceram no peito e que se abrem como cravos pregados a uma cruz que não profetiza remissão – foi condenado a ouvir os meus próprios ouvidos – aqui estou. com o que me resta da audição implorando aos deuses que me façam humano e me tapem os ouvidos com a cera de ícaro – prometo que não voltarei a voar para o sol


não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 04/10/2017 16:44  Atualizado: 04/10/2017 16:45
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 Re: ouço
Poeta
Instigante!

aqui estou. com o que me resta da audição implorando ao deuses que me façam humano e me tapem os ouvidos com a cera de ícaro – prometo que não voltarei a voar para o sol


Misofonia? Zumbido? Os sons são lembranças que nos fazem viajar no tempo? Voar na direção da luz? Isso não é bom?
Beijos!
Janna