Natura
Eu sou a mãe caótica, o Demiurgo,
Criadora de tudo, tudo hei feito,
A imensidade eterna do meu feito,
É explosão, implosão, sorver, expurgo,
Organizo e desfaço a urbe e o burgo,
E a metrópole superpovoada,
E na paisagem heróica, descarpada,
Organizo os rochedos do meu jeito.
Sopro as nuvens a vagar no firmamento,
Com canícula cruel aqueço as rochas,
Num calor ígneo de milhões de tochas,
Depois as resfrio a rocio, chuva ou vento,
Provocando-lhes o estilhaçamento,
Que modifica a face das montanhas,
E no imo da terra em suas entranhas,
Fundo a meu bel-prazer metais e rochas
Neste mundo caótico onde ao atrito
Das tectônicas placas calor gero,
Onde o tempo inexiste e eterna, espero,
Acumulando a força do meu grito,
Que com clagor emergirá aflito
Junto ao nascer caótico de um mundo,
Que surgirá do meu gestar profundo,
Junto à telúrica força que libero.
A amorfa lava fundente ao mar resfrio,
Em incandescentes nuvens vaporosas subo,
E em nimbosas cinzas a tudo encubro,
E a tepidez brumosa lembra o frio,
E as novas rochas, a proa de um navio
Que em nórdica paisagem errante vaga
Mergulha e emerge de imensa vaga,
Onde ardilosamente o exponho e encubro.
A insólita ilha, negra e fumegante,
Resfriarei ao decorrer das eras,
E humidificando os humos das crateras
Farei surgir à vida verdejante.
E ante o eterno, no ápice de um instante
A vida surgirá variegada
E explodirá como a surgir do nada,
E inundara a ilha, palpitante.
Minha força telúrica inascida,
Não posso rotular de má ou boa,
Pois se um se um dia ela ativa o krakatoa
Destruindo de forma inconcebida
Normalmente e continuamente explode em vida
Em todos os quadrantes e hemisférios,
Prodigalizando a força dos mistérios,
Tornando seus arcanos coisas-atoas.
Ao hálito de minhas ventas, Herculano
Protegida de Zeus, Ares e Réia
Teve o mesmo destino de Pompéia,
Pois ao velho Vesúvio despertando
A ambas soterrei, e as soterrando,
Em pó e cinzas pela eternidade
As conservei para a posteridade,
E ainda hoje a gente as visitando.
Nos confins dos espaços aonde existo,
Como buracos negros que consomem,
Universos e galáxias que se somem,
Em vertiginosos vórtices jamais vistos
Onde consumo a luz, igual aos quistos
Cancerosos a consumir matéria,
E ao cancro constante das misérias
Que da emergem da vida e sugam o homem.
Eu provoco o choque de planetas,
Gera a força que cria os turbilhões,
Movo um dedo e provoco furacões,
Sou os gases das caudas dos cometas,
Fui eco das bocas das trombetas,
Que vibrando tombaram Jericó,
Sou à força da vara de Jacó,
E o terror do esturro dos Leões.
Sou o protozoário plasmódio das sezões,
Sou a febre maligna terçã,
Sou a bela feiúra de uma anã,
E o orgulho contido nos brasões,
Sou a calma do meio dos furacões
E o terror das calmarias no oceano,
A bondade maldosa dos ciganos,
E toda força crística de Satã.
Sou a Mãe que engendra a natureza,
O amor maternal é minha marca,
Sou de tudo que existe a matriarca,
Que retenha a feiúra ou a beleza,
A beleza congênita ou a vileza,
O maligno instinto, cruel ou manso,
O agitado bem ou o mau descanso,
O saber de Tirésias ou de Petrarca.
Sou a imponência inata do monarca,
A aparência humilde de um gusano,
A arrogância cruel de Vil Tirano,
A brisa mansa que impele a barca,
A fulminante força, que da Arca,
Fulminava o impuro que a tocasse,
E da vara que se Möshe levantasse
Abriria as águas do oceano.
Sou a força telúrica dos dilúvios,
Sou o dom de Noé e Gilgamés,
Sou a cesta de vime de Moisés,
E das benesses do inverno os eflúvios,
Dirijo com meu sopro os “Nimbus Plúvius”
Despejando-os onde necessários,
E vibro vendo a vida em verdes vários,
Viril varando as plantas dos meus pés.
E explodo a vida em vales verdejantes,
E ondulo, brisa,o ouro dos trigais,
E Corvo, ataco o dom dos milharais,
E gafanhoto turvo os horizontes,
Sou EU nuvens de fome e em instantes,
Devoro tudo até ao rés do solo,
E aos gafanhotos como fome imolo,
Em oblação expiatória a tudo mais.
Sou Sereghetti, Okavongo, vida,
Sou a explosão genial da fertilidade,
E implosão da vida que mais tarde,
Desnudara ao sol a África exaurida,
Sou a terra rachada e ressequida,
O Onésimo ano, o caos previsto,
Sou o Nilo, a benção do Egito,
E o Saara, a Mãe da humanidade.
‘
Sou milhões de gnus, que crescem e invadem
A delta fértil da foz do okavongo,
Sou a incrível cratera do Ngorogoro
Onde a vida é perene e equilibrada,
Sou o leviatã que em Massai Mara nada,
E dizima as manadas que o vadeiam,
Sou a chama dos fogos que encedeiam
Há seu tempo, a Tanzânia, o Kênia o Kongo.
Sou o instinto cruel do leão selvagem,
Que caça e elimina as crias do guepardo,
A habilidade arborícola do leopardo,
E as forças descomunais que interagem,
E o permitem ao alto da ramagem
levar a vítima enorme que o sustenta,
Sou a força vital que o alimenta
E a morte cruel que nunca tardo.
Eu capturo a cria da gazela,
E com ela treino a minha jovem cria,
Eu caço a noite tanto ao dia,
Eu fujo aos predadores como ela,
Eu sou a feia hiena e a Leoa bela,
O belo Orix, o Ocapi estranho,
A alma coletiva de um rebanho,
O frio sangue da constrictor fria.
Dos elefantes a solidariedade,
Dos grandes corpanzis as estruturas,
As cascas, as raízes, as verduras,
Que os alimentam a saciedade,
E também sem resquícios de maldade,
Sou a seca cruel que os elimina,
Sou o vento solar que a dissemina
Numa aura cruenta de secura.
Eu sou a força Bhudica de Shidarta,
E a insana reação de shudodana,
E o veneno dos peitos de putãna
E a força de sucção que em Khisna a mata,
Sou tigre caçando, que retrata,
A quem o encontra a morte crua e certa,
Sou a seta sibilante que acerta
O gélido coração de duriodhana.
Sou os monges febris que o Buda segue
Antes que minha mente o iluminasse
Sou a fome cruel, que aonde chegasse,
O esperava, e a sede que o persegue,
Sou a meta que sonha e não consegue,
Deslindar de uma forma inteligente
Sou o morto, o senil e o doente
E o olhar com que fiz que me avistasse.
Sou de Maomé a ignorância nata
Desprovidas de estudos e de saberes,
Fui eu que o coloquei entre outros seres,
Luminosos, qual Cristo, qual Shidarta,
Transformei sua mente em mesa farta
Nas ciências de Deus, o iluminando
Numa luz que ainda vem brilhando
Com orações, salvares e prazeres.
Gavial, arrebato uma criança,
E também sou o Ganges que o abriga,
Sou o labor incessante da formiga,
Sou o terror marabuta que avança,
Sou o mal que antecede a bonança,
Crocodilo do Nilo, terror que gero,
Epidemia que grasso onde quero,
Espada traiçoeira e mão amiga.
Sou anjo contendor de Israel,
Esmaguei-lhe o nervo do quadril
Sou Giulliano, Lampeão e Quantril,
E o amargo sabor que vem do fel,
Sou geléia real, sou hidromel,
Sou bebida de Deuses, sou cicuta
Sou uma virgem vestal, sou prostituta
E arquiteto da Torre de Babel.
Lá nos santos dos santos eu gerei,
Por estupro, de forma violenta,
Quem, segundo os cristãos, agora senta,
Ao meu lado direito, e eu nem sei,
No calor do deserto eu o tentei,
Ele foi divertido e até ousado,
Eu por isto morri crucificado
Mas em quatorze horas levantei.
Sou a massa total dos oceanos,
Sou a vida que neles prolifera,
Sou a fauce cruel da Besta-fera
E a feiúra intrigante dos varanos,
E os corais que por milhares de anos,
Se agregam em arrecifes e atóis.
Sou o peixe abissal com luz e anzóis
Que vive em altas pressões, e lá prospera.
Sou a orça que caça, e a caravela,
Fogo lento e translúcido e inocente,
O veneno maligno da serpente
E a siba de cores cambiantes.
Sou a sede cruel dos navegantes
Que naufragam em meio ao mar bravio,
Sou o vento cortante, sou o frio
Que enrregela seu corpo de repente,
Sou o sol que aquece o indigente
Sou a palavra amiga que o consola,
Sou a mão que sonega sua esmola
Que lhe impede o sono nos batentes
Que a infesta de pústulas aderentes,
Que lhe põe um mau cheiro nauseabundo
Que o transforma num verme vagabundo
Que a vilíssima vida deteriora.
Sou o fomentador das Guerras Santas
Eu invento as armas tenebrosas
E nas campinas onde crio as rosas
Semeio a podridão de mortes tantas
E as decomponho em tais, e quais, e quantas
Formas me aprouverem e derem gozo
Pois quanto mais ali sou exitoso
Serão as minhas graças mais famosas.
E as minas eu as enterro e abandono
Aos milhares e milhões ali as deixo,
No megalomaníaco desleixo
De quem pode criar, e vai criando
E prevendo o caos que vi gerando
Multiplica o número de aleijados
Que famélicos vão desesperados
Rosas vivas, girando em frágil eixo.
Sou os cadáveres vivos da Etiópia,
As crianças emaciadas pela fome,
A pele garça, a carne que se some,
Da múmia faraônica sou a cópia...
...E das pestes que grassam, a cornucópia
Assim como a indiferença dos omissos,
Sou a quebra informal dos compromissos,
Sou a própria miséria que os consome.
Sou a força total do gênio humano,
Meta última de todo sacrifício
Sou corrupto juiz do Santo Ofício
Que de modo cruel, vil e profano
Condena a cruel sina Giordano,
E queima a milhares de outros mais
Apossando-se dos bens materiais
E ampliando seu dote pontifício.
O que sou, sou! ... E isto não é pouco;
... Sou a ausência eterna e infinita
... Sou o olho imortal que tudo-fita,
... Do grande terremoto o ronco rouco,
... A genialidade de latente do homem louco,
A lamúria tristonha da tormenta,
O assobio das frestas quando venta
Sou a chuva que a nuvem precipita.
Sou o anuro, o réptil, o anelídeo
O celenterado que no húmus vive,
O necrófago que da morte sobrevive,
E a pele descartada do ofídio...
Sou o muro de pedra do presídio,
O horizonte sem fim da liberdade,
A virtude anormal da castidade,
E o aclive contido no declive.
Sou as massas polares e o granizo,
O núcleo do planeta, incandescente,
Sou o grande caudal, e a nascente,
O lucro material e o prejuízo,
A inteligência e a falta de juízo,
A força, a fortuna e a saúde
A fraqueza, a doença, o ataúde,
... Bala perdida que mata o inocente.
Sou o cedro do Líbano, e a urtiga
A planta medicinal e a venenosa,
O odor da carniça, o olor da rosa
Sou a cruel verdade e a doce intriga
A doçura da paz, o ardor da briga
Sou a ânsia de água do sulfúrico
Sou a origem do poder telúrico
Sou a musa da música, verso e prosa.
Da Amazônia sou a exuberância
E sua variedade fitogênica
Planta medicinal, e praga endêmica,
Chuva que se derrama com constância,
A vida variada, a abundância,
A sucuri, as cabas, as aranhas
O famélico cardume de piranhas
A força da enchente, a queimada blasfêmica.
Da preguiça eu sou a lerda calma,
Sou a veloz ansiedade da Irara,
Sou as cores das penas da arara,
Do tímido jupará eu sou a alma...
Sou raízes, folhas, caules e palmas,
Lianas, parasitas, flores, frutos
Os ferozes felinos, os monos astutos
A gramínea comum, a orquídea rara.
Eu sou o boto rosa e o tucuxí,
O estranho matamatá, e a perema,
A raiz laminar da sapopema,
A astúcia sagaz do coati,
O singelo cantar do bem-te-vi,
O som peculiar do Uirapuru,
Sou a batina negra do urubu,
E o soro antiofídico da seriema.
Como laquesico, botrópico e elapídico,
Sou a peçonha letal das serpentes,
Das saracuras sou os sons plangentes
Sou da coruja o cantar fatídico...
Do equilíbrio da vida o ponto crítico,
Sou o futuro Saara sob a mata
Sou o ser ignóbil que me mata
Destruindo-me os corpos e a semente.
Sou a névoa matinal que se evola
Das florestas, e o frio que condensa
Sou a sombra milenar da mata densa,
E o machado do homem que a imola,
Sou o tronco que sobre o rio rola,
Sou a serra e a plaina que o destrincham
Sou o guindaste que as tábuas guincham
Sou o cargueiro, o braçal e o que pensa.
Sou o vento terral que cedo sopra,
E o vento mareal que à tarde o inverte
E muda de lugar a duna inerte,
Sou a água de côco, sou a copra,
Sou o trôpego tropel de toda tropa
Sou as fontes termais e sulfurosas
Sou os espinhos que guarnecem as rosas
E a anarquia que à ordem subverte.
Em mim está contido o existente
E o inexistente também está contido
Sou fonte do achado e do perdido
O mundo em evolução, e o decadente
Eu sou o refluir e a força fluente
Que impele a enorme vaga destrutiva
Eu sou a enorme e inertes,massa viva
E englobo tudo, que existia ou haja havido.
Um simples grão de pó sou eu, ...
... E também estrela mais fulgente,
E o maior corpo sólido existente,
E o sol que exaurido feneceu,
O arco-íris que esvaeceu,
O bólido errante que no espaço vaga,
A chama de uma vela que se apaga,
O elo forte, e o fraco da corrente.
Sou a venalidade das palavras atoas
Ditas, escritas ou imaginadas
Que as coisas vivas ou inanimadas
Poderes inusitados ou forças boas...
... Ou negras, atam a mim em tom de Loas
Como se eu fosse algo descritível
Tentam realizar o impossível
Pintar o todo em simples pinceladas.
Eu sou dos sons a variedade imensa
E do silêncio a voz inusitada
E tal qual sou o tudo, sou o nada
Sou o sumo prazer, e a dor intensa
O castigo cruel e a recompensa,
A pura inteligência, a ignorância,
A exata coerência e a discrepância
A injustiça, e a lei aplicada.
Eu sou o inimaginável!
Eu sou o inconcebível!
Eu sou o imperecível!
Eu sou o inominável!
Eu sou o impalpável!
Inimitável eu sou!
Também oniparente
Total e onipresente...
Só eu sou o que sou!
Mestre Egidio