Satã é nosso amigo mais íntimo,
Loucura a nos prender sempre lúcidos,
Verdade aos nossos olhos translúcidos.
Satã é meu amigo mais íntimo,
A faca do estripador londrino
Na carne de meus irmãos e primos.
O prazer, o terror e a agonia,
Chaga a intumescer o nosso dia,
Totem erguido sobre as ruínas
De rotas bandeiras e doutrinas,
Da fé que levou ao assassínio
E à travessia do peregrino.
Ó rei das coisas subterrâneas,
Das misérias humanas e insânias,
És mão que nos lança aos precipícios.
Inspiraste os profetas de Tages,
Arúspices e a mente dos sages,
És o vinho e a sidra dos abades.
Te lançaste do centro de Théia
Para dentro do planeta Terra,
Lua dos infamantes e feras,
Basalto a erigir a crosta e as eras,
Aquilo que dizem ser o inferno
Mas que é vida, ouro, magma e ferro.
Pai dos nômades e dos covardes,
Em tudo vosso ardor nos queima e arde,
És nossa ciência, paixão e arte.
Berço em que células e estruturas
Engendram-nos vontades escuras
Que sentimos por coisas escusas.
E mesmo privado de hino e de culto,
Sobrevives nas odes mais puras,
Na fúria e no desejo insepulto.
Pois ainda ouvimos o sibilo
Que ecoa do nosso desatino,
Do mestre francês, do alexandrino.
Porque não escutas os incultos
E fazes que o sexo das putas
Nos libere de toda a recusa
E que as santas no altar das capelas
Jamais aparentem ser mais puras
Do que a febre e o cio das cadelas.