Tricoteio as meias na vez das inteiras,
trocando as lãs com as agulhas,
com as cores velhas e garridas
dum cachecol novo,
para o verão que se passou
e na vez de outono, inverno,
internos, chovem antúrios, gladíolos
gladiadores aos beijos, intímos, ternos,
terminando no sangue da expulsão,
amnióticos e mecónicos, vivos.
Ainda que respirem baforadas de sons,
singularidades de outrora e d'hoje
na massa que sempre houve,
como peixe em conserva,
um a um
atum.
Segue o sangue, a crosta seca,
o ferro que se sente no ar ametista,
amendoado, no sofrimento de castanha;
invólucro de ouriço e de bicho
que, invejoso de batata, não quer raíz,
mas boca.
Bocado de palavra, de voz, de canto,
de metade como meias,
como inteiras por tricotar luvas, em vez de cachecóis,
sóis, na vez de meias-luas como cebolas
num refogado
num poema.
Choram.
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.