Quatro da Tarde
Eram quatro horas da tarde daquela fatídica quinta-feira, e mais um dia terminaria como outro qualquer, se não fosse pelo fato de algo extraordinário ter ocorrido.
Às quatro da tarde deixei minha mesa de trabalho para o último café. Tudo muito calmo, ouvia-se apenas um avião distante e a água fervente escorrendo entre o pó de café descendo para o jarro. Aquele líquido escuro logo fora derramando-se para dentro da xícara branca de porcelana chinesa. Meu olhar absorto acompanhava sem pensamentos a fumaça subindo, levando meus olhos até o relógio na parede. Marcavam quatro da tarde. A imagem dos ponteiros do relógio surgia invertida dentro da xícara, marcando as mesmas quatro da tarde. Neste momento me deu uma sensação de querer conversar com tempo, e os ponteiros pararam às quatro da tarde.
As paredes da cozinha foram se expandindo e uma enorme sala vazia continha apenas a mesa, a xicara o café e eu. Uma pequena joaninha caminhava tranquilamente sobre a mesa ignorando o tempo. Por qual motivo tento adivinhar seu tempo até chegar a beira? Sua preocupação e sentimentos são tão diferentes dos meus. Parou por um instante, abriu sua carapaça avermelhada, desdobrando suas asas, e voou sem que eu soubesse qual seria seu destino, mas qual a razão dessa preocupação, se mal sei sobre meu destino.
As horas não passavam, o relógio marcava quatro da tarde. Achei de que nunca mais teria problemas com a falta de tempo. Viajaria em pensamentos para diversos países, lembrando me de todos os cafés por onde passei, e mesmo assim, meu café não esfriaria. Poderia olhar da janela a chuva a cair sem parar por uma semana, sem um pingo de tédio. Tudo seria tão perfeito sem a existência do tempo. Quanto as paredes da cozinha jamais descascariam, eu daria infinitos goles no café feito naquele instante. Teria um tempo imenso para ouvir o silêncio guardado, às quatro horas da tarde.
Airton Sobreira