A quaresma está a acabar, mas o jejum irá permanecer. Bem, pelo menos é a minha interpretação dos noticiários. As vantagens mais óbvias para muita gente da páscoa são: dar oportunidade aos cortinados para eles mostrarem seus brilhos, exibir o soallho agora arranjadinho e, mandar os aracnídeos dar uma volta. Mas que tornem a vir! Deste modo, temos uma casa limpa, e apta a receber o Senhor.
A desvantagem desta época religiosa e, ao contrário da lei divina, é praticar a gula com permissão, além de darmos cabo dos dentes com as malditas amêndoas e, quem for padrinho de muitos afilhados, está lixado e bem lixado.
O compasso com a Cruz florida chega a minha casa de manhã, lá vou eu ter de me levantar cedo, prender os cães, disfarçar uma possível ressaca depois de ter visto na TV o Marcelo Rebelo de Sousa a descrever passagens bíblicas em tom evangélico. Mas eu gosto da Páscoa, tirar o dia para questões interiores, não pensar que um comboio da greve vai passar amanhã, pôr o telemóvel sem som.
Bem, pelo menos não há futebol, e isso, já é louvável! Outro aspecto louvável é: os ateus, os agnósticos, os descrentes ferrenhos e outras variantes de irreligiosidades, uma vez que, apesar de “eles” andarem todo o ano na oposição, com tacadinhas, no dia de páscoa, eu bem os vejo, todos janotas, todos Channelizados, a deitarem rosas na entrada da porta para receberem a Cruz. E beijam Cristo às escondidas, acreditem!, eu quase que lhes sinto o bafo quando toca a minha vez de beijar.
É neste dia que lhes cai o mundo em cima e, sussuram ao ouvido de Cristo “eu estava a brincar!”.
Claro que, quando ouvimos falar de padrecos a praticar num acto só todos os sete pecados mortais, como é que “nós”, simples pedantes de uma sociedade mecaniscista, havemos de temer o Divino?!
Seja qual for o patrão, este não pode ser responsável pelas maquievelices dos seus empregados. E, está na cara que cada discípulo gosta ou gostaria de rasurar uma ou outra alínea à Grande Tábua. Mudando de assunto.
Eu já encomendei um leitãozinho para o Domingo e, assim que os senhores, os que andam com a palavra de ressureição de porta em porta, após se apoderarem da minha mesa repleta de doces da Cuetara, do pão-de-ló, não feito pela minha avó mas comprado na pastelaria - o que sai mais caro -, se forem embora, vou debruçar-me na mesa e tirar a barriga da miséria dos salários, vou contracenar com a alegria e deitar-me no sofá, feito camaleão, mudando de cor consoante a qualidade que me calhar da garrafa dos três velhotes e, quem sabe, se ao fim de não sei quantas goladas, não poderei ver Cristo ressuscitado, a mudar para o canal dois, que está a dar a ministra da educação a falar e, num toque de mágica, Põe a senhora ministra no lado dos professores, a dizer está bem, eu educo-me!
Crer ou não crer eis a questão.
Eu penso nisto que me farto. Principalmente na época pascoal, que é quando o meu carácter humanista vem ao de cima e, se assim não fosse, explodia de raiva e força inútil na tentativa de mover um pé deste Portugal de letras muidinhas para não lhe chamar outra coisa.
Por sorte, ou azar, nem sei bem, só tenho um afilhado, mas que mo leva quase todo, que se chama Estado e, se eu não lhe der o folar, à que dê o rei, fico sem dentes para trincar as amêndoas muito menos para sorrir.
Quando penso que ando neste mundo esquecido, o Estado - com os seus queridos ministérios -, é amigo, e lembra-me. Já agora, quanto custa um pacote de amêndoas? E um pacote de medidas rachadas a sair da assembleia? Quanto custa uma assinatura?
Eu prefiro esperar pela cruz e de prefêrencia ser eu a transportá-la daqui em diante, apesar dos indícios de artroses, cá vou andando, com uma tatuagem no corpo a dizer: Amor de Rosa.