(caminho sentido)
sentes ainda as minhas dores sem fundo
de uma maneira como só tu
sabes sentir
as dores do mundo
sentes-me sem que te pise
agora
ao largo e através
ouves-me os passos
e ainda ardem
as feridas que os meus pés
em ti poisaram
como filhos adormecidos
depois do conto de embalar
sei que guardas em ti
ainda
o estremecimento do meu corpo
aos frios de janeiro
e te sustentam a sede
vestígios salgados que o verão beijou na minha pele
estações de frutos breves
fartas colheitas de fel
fatias de vento espesso que cortava
alimentando pressas
de chegada
a ti ainda me consagro
caminho santo
terra pisada
estrada antiga
do meu pranto
de ti guardo ainda
- sob o meu sétimo colchão -
areias finas que trouxe
nos meus sapatos tão gastos
de te percorrer
no fio da navalha
no martelar do coração
na ânsia da partida
à adiada fome de viver
chão-raiz
- que me conheces tão bem -
do teu nome lembro também
um sonho submisso
amoras bravas
perfumes de vinho
passos incontáveis
sorrisos de pedras
pedaços que te percorri escrevendo no vento o silêncio, o poema, a palavra
e guardei por dentro
de mim própria avara
e agora herdas,
minha velha e sentida estrada.
in "40 Poetas Transmontanos de Hoje" - Âncora Editora, 2017
Teresa Teixeira