Não me lembro de ser eu
Sempre fui vida por fora do corpo
Sempre ficção por realidade.
Estudei uma pauta para ser sistema
E decorei-me
Quando acabei o curso
Sabia menos do que uma criança.
Fui doutor da minha ilusão
E do estudo dos outros
Aprendi o valor do que é superficial
Do objecto no futuro
E do etéreo no passado.
Detrás dos rostos que conhecia
Eram-me todos estranhos.
Quis ser quem não era
Igual a muitos
Quis ser quem esperavam que fosse
E copiei-me.
Andava à vista de todos vestido de humano
Tão perto de mim, que podia tocar-me
Estiquei um braço e empurrei-me contra o mundo
E deitei-me aborrecido a ver-me cair
Até adormecer.
O outro da minha realidade
Homem formado na verdade dele mesmo
Perdeu-se no sonho entre rebanhos de gente.
Quando acordei, doeu-me a mentira no corpo
E fiquei na cama
Quis levantar-me mas não consegui
Quando olhei para a rua pela janela do quarto
O mundo cheio de gente
Estava vazio
E eu estava só.
Viver é sair para a rua de manhã, aprender a amar e à noite voltar para casa.