O tempo reclama...
Das cordas escorrem as lágrimas da manhã
Ilesas, mas ainda presas à noite.
Nos bolsos foram falsos fantasmas
Cartas e copos, copas e damas
Flamas e famas de um glamour sem pudor.
Concórdias e ânsias em vocábulos cansados
Concordâncias marinadas em dor de cabeça.
O azul nos olhos, iodos e russas montanhas
O amarelo no sol, colisão ultra violeta
A reacção, o verde na boca em lenta agonia
Lamentos sabores
O futuro
A prece
O futuro
Talvez
De efeito borboleta.
A súplica é um abraço atrasado
Alinhavado, cosido à barra da saia
De um manequim passado
Que não pertence ao tempo presente
Entre nós, no fio da navalha
Caminham e definham sonhos sentidos
Magoados antigos novelos de lã
Virgem nas mãos, alegoria
Homens em cavernas vestidos com peles
Vivem os mortos, comem a fome
Matam os vivos, dominam a classe e prosperam
Amarram e tecem os fios da vida, em teia infalível
Com teares entre os dedos como carneiros vadios
Tresmalhados do resto do rebanho
Arre
Arrepiam pastores
Arrepiam, arrepiam colectores
Arrepiam caçadores
Arre
Piam
Frágil fagulha em combustão
A agulha laçada, quase invisível
O coração comanda a demanda da carne
E costura a cena, um vestido de cristal
Manda, desmanda sem pena e sem tempo.
Falta de ar?
O não respirar é contra natura
Ordena a mente à matéria
E contorce à força o corpo na cama.
Entretanto anoitece
Sem fogo, sem artifício
O céu escurece.
A corda esticou, partiu-se de vez
O tempo reclama.
Viver é sair para a rua de manhã, aprender a amar e à noite voltar para casa.