Apenas uma casa na rua
tecia a paisagem nua
no alto da ladeira
destacada em tábua e palha
chão de terra batida
fogão a lenha, ferro em brasa
abrigava a vida da lavadeira
Entre a vinda e ida das trouxas
Dona Clarinda clara roupa quarava
No meio das flores do quintal
co'água do poço enxaguava
torcia e dependurava
no varal ao vento desfraldado
em cantigas e cores ao sol do cerrado
A casa da Dona Clarinda falava
um cochicho pelos cantos
na porta que rangia
na lida de todo dia, nos prantos
batidos dos tamancos.
Daquela casa vazava
pelo furo do telhado
no meio da escuridão
um fino fio de luz do lampião
que no pavio de óleo ardia
e alumiava a noite quente
esparramada em nostalgia
e com o céu de estrelas se confundia
A casa despertava ao cantar do galo
a janela se abria, entrava o sol
a água quente na chaleira
logo coava no pano o café fraco e doce
como se fosse feito
com o último grão no pilão socado
Daquela casa exalava
um cheiro de tempero
um gosto de arroz de rapa
e feijão cozido com carne seca
preparada no terreiro com sol e sal
A casa da Dona Clarinda era linda
uma rima no alto da rua que sumiu...
no meio da cidade que cresceu
cheia da vaidosa alvenaria
Sem mais nem menos
meu olhar perdeu o repouso
daquele recorte de paisagem
e a Dona Clarinda...
já tem máquina de lavar
A dona Clarinda era uma lavadeira que morava na minha rua....