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Nas Cuecas do Diogo

 
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Oficiosamente (gosto da palavra) Portugal, o meu país, deveria chamar-se Nas Cuecas do Diogo. Pelo menos durante o Verão.
Desde os primórdios da existência da humanidade, isto é, desde o meu nascimento, que ouço falar na ladaínha\canção: "Há fogo, há fogo, nas cuecas do Diogo!" repetida umas quantas vezes, de seguida.
Na minha infância, isto é, há vários séculos atrás, haviam campanhas publicitárias a desincentivar ao mau hábito de mandar beatas (atenção, nada a ver com os três Pastorinhos...) dos veículos automóveis em movimento. Sobretudo junto a matas, 90% da mancha urbana no interior, de norte a sul, inclusivé no litoral.
Quem faz churrascos nas matas à beira-praia, que cá há aos pontapés, também era ensinado a apagar bem a fogueirazinha antes de ir para casa.

Inocentemente penso no lixo. O Zé da Esquina, nome que assumo nos dias feriados, quando calham num ano bissexto, e a trinta de fevereiro, tem o hábito de, em dias mansos de fresco pálido, sob uma revoada de morcegos cinza, separar o lixo que produz, primeiro em casa, depois no ecoponto, pensa nas garrafas de vidro espalhadas pelos arredores das lixeiras a céu aberto. Num certo ângulo do mesmo céu, um indeterminado raio solar inside na garrafa. Como lupa, a garrafa magnifica o raio. Um resto de caruma aquece e: ingnição...

Até aqui o Zé da Esquina foi apenas descuidado. Negligente. Se fosse num hospital dos estados unidos, estaria a ser processado por um doente lesado num braço amputado ao membro errado.
Errare humanum est... diria eu há tempos idos.

Mas a indústria da madeira, lucrativa na produção de papel, ou mobiliário de escritório, originou um novo tipo de criminalidade comprovada:
O fogo posto. Ou melhor, imposto.
Escolhem uns quantos pirómanos (só podem ser...) e, com a ajuda de um acelerador, normalmente gasolina, mas álcool também dá, e um simples fósforo, dão azo à chama imensa.

E como o amor, que segundo o poeta zarolho, "é fogo que arde sem se ver", mas excluindo a parte final, iniciam o seu maldito crime.

Todos os anos é a mesma merda!
Desculpem-me a expressão, sobretudo gostaria que a merda não ficasse ofendida.

Até aqui não houve mão divina. Apenas se acreditarem que deus criou o Homem.

Dependendo se forem Gregos ou Romanos, o espaço que se segue pode ter dois personagens iguais mas com nomes dispares:
Zeus, no caso Helénico, ou Júpiter se forem da península Itálica.
Quando zeus se irrita, coisa fácil, a sua ferramenta, ou arma de eleição é o "raio divino". Quando Hera o irritava, a ira divina dava em tempestade. Ou Juno para não sermos parciais.

Portanto, no distrito de Leiria algo de muito grave irou os deuses do Olimpo.
Terá sido o facto de os velhinhos que lá moram, porque decidiram morrer na terra que os viu nascer, não terem limpo as suas matas outra vez?
Herdadas dos ascendentes, pobres, pobres continuam e ainda por cima, sem meios de comprar serras eléctricas e tractores para levar o entulho. E estão por regra sós.
Na terra do meu Pai, minha vá, a entrada para a aldeia é feita por uma mui recente e esbelta estrada alcatroada.
Em cada margem o mato é de pinhal recente.
Eu, moço robusto, só entraria com fato de macaco, e mesmo assim, a distância que vai de pinheiro a pinheiro, com giesta no meio, é de um palmo, escassos 20cm.
Portanto o deixa a andar é o inevitável. Falar é fácil.
Tal como escrever, embora isto hoje não está assim tanto.

O fogo nas cuecas do diogo, provavelmente é uma metáfora para tesão.


Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.

Eugénio de Andrade

Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.

 
Autor
Rogério Beça
 
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Enviado por Tópico
Gyl
Publicado: 19/06/2017 10:42  Atualizado: 19/06/2017 10:43
Usuário desde: 07/08/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 16148
 Re: Nas Cuecas do Diogo
Cômico se não fosse trágico. Boa e didática prosa. O dedo do Homem moderno está causando efeito contrário ao do Rei Midas, não o do Minotauro, mas das orelhas de burro. Abraços!

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/06/2017 10:43  Atualizado: 19/06/2017 10:43
 Re: Nas Cuecas do Diogo
loucura essas trovoadas secas aí, hein? Pessoas carbonizadas dentro dos carros! Talvez Júpiter estivesse ébrio de vinhas e mandou tudo ao raio que os parta...

no Brasil de contrastes é o contrário: aqui iniciamos queimadas criminosas voluntariamente e só fauna e flora morrem num churrasco para apaziguar os santos, mesmo assim eles descarregam água e afogam crentes onde menos se espera, como no seco nordeste...

divindades têm temperamento difícil e pueril, não muito difícil de políticos. Enchamos suas cuecas do fogo do corrupto...

Enviado por Tópico
HÓRUS
Publicado: 19/06/2017 12:55  Atualizado: 19/06/2017 12:55
Da casa!
Usuário desde: 08/04/2017
Localidade:
Mensagens: 291
 Re: Nas Cuecas do Diogo
Todas as metáforas devem ser usadas no caso em apreço!

O “acaso” nunca foi o que nos querem fazer crer!

Basta de lágrimas de crocodilo!

Os pântanos em que as sociedades estão mergulhadas não nasceram do nada!

Se durante uns tempos se aplicasse a lei: olho por olho dente por dente, (não excluindo ninguém) em pouco tempo se faria uma limpeza, não só das matas, mas das sociedades no seu todo!

Devemos pugnar pela não-violência, mas esta coisa de ser sempre os mesmos a dar a outra face, de justiça, não tem nada!

Enviado por Tópico
Semente
Publicado: 19/06/2017 20:03  Atualizado: 19/06/2017 20:03
Membro de honra
Usuário desde: 29/08/2009
Localidade: Ribeirão Preto SP Brasil
Mensagens: 8560
 Re: Nas Cuecas do Diogo / PARA ROGÉRIO BEÇA
Triste demais!
Lamento pelo verde imensurável da floresta, pelos animais, pela terra...

Em verdade, o inferno não está aqui nem acolá, está nesse fogo ardente da cobiça, da ganância, ou de algum descuidado que jogou um mísero toco de cigarro ao ar...