ALDEIA
Tenho o Ocaso
Instalado no lugar do meu ventre
E um Caos
No lugar do coração
Enquanto um gato cor de mel
Me lambe as feridas de Maio em flor.
Tenho melros nos pés
E cerejas no revolver dos sentidos
Quando o trigo se agita
Como o pulsar do teu grito
Dentro em mim,
E o Caminho dos exílios se abrisse para nós
Para que as rosas finalmente cessassem o seu pranto…
Sinto escassas todas as pérolas
Em lábios suculentos de romãs.
Tenho o licor dos dias
Nos beirais das portas e o rosto da minha avó sorridente
No entardecer da espera,
Enquanto minha voz a chamava encalhada numa quimera,
E ela…
Ela sempre me respondia.
Sinto seus passos pelo chão do sobrado,
Suas mãos esguias moldando o queijo,
Como quem molda a poesia,
Suas preces pela alvorada.
Sinto silêncio.
Contemplo aquela última casa branca do povoado.
Tenho uma aldeia instalada
No lugar do coração,
É onde os pássaros liberam
Naufrágios da infância
Em meu repousar.
© Célia Moura
© Célia Moura – (a publicar) “Terra de Lavra"