A lagarta não sabe da borboleta. Ela sequer pode vê-la. Se olhar corretamente para uma lagarta perceberá que ela não tem pescoço e nem iris, os olhos dela não podem nem olhar para cima. Ela não pode dirigir o seu olhar para cima, nem para os lados, nem para baixo. Tudo o que ela pode ver é a folha, o alvo imediato que saciará a sua necessidade.
A ubiquidade pertence à borboleta, e um dia talvez elas se encontrem. Mas observe que, nesse dia, só a borboleta saberá que foi lagarta. Se ela disser à larva que ela e a borboleta são as mesmas coisas, será desacreditada. E com razão.
Já fora citado aqui, em outras linhas, que a natureza, o mundo dos fenômenos, conversa, fala, declama, sem palavras, claro. O tempo inteiro a natureza fala com você. A metamorfose não é a linguagem mais clara, nem a mais profunda, mas é fácil de se entendida. A lagarta jamais deixa o mundo dela, a sua folha, a sua árvore, sempre será o seu mundo (com alguma sorte, um ser humano, ou o vento, eventualmente possam mudá-la de lugar). Com a borboleta é diferente. Ela percorre todo o vale, todas as árvores e flores. Ela transcendeu a sua condição de larva. Ela se lembra que foi uma larva? Sim. Ela volta na mesma folha em que ela nasceu, e deixa lá os seus ovos.
De muitas formas a lagarta acha que o casulo representa a sua morte, e de certa forma é verdade. Pois a sua vida como lagarta acaba ali. O que ela levará de si mesma são os seus pensamentos... eles são a lagarta e a borboleta verdadeiras.
Na ciência, na magia, no misticismo, muitos grandes mestres precisaram enfrentar a "noite escura" antes do renascimento. Também já falei sobre símbolos. Que tudo na vida são símbolos, e que o universo fala contigo em símbolos, que é a linguagem universal. Transformações substancias requerem uma mudança significativa de paradigmas, e isso requer romper fronteiras, descortinar novas paisagens.
Você não aceitaria uma mudança profunda, sem um profundo ritual. Toda a vida humana é regida por rituais, mesmo para pequenas mudanças. Vocês tem cerimonias para casarem-se, formarem, passar de ano, aniversariar...
A mudança de uma percepção para outra bem mais profunda, necessariamente tem o seu rito. A morte. A simbologia do casulo e da borboleta. Morrer, nada mais é que atravessar um rito que você escolheu. Você e o gênero humano criaram a morte. Ela só existe ai, porque vocês acham necessário um ritual significativo que simbolize a grande mudança que se opera. Em outros "mundos", morrer é como subir uma escada rolante de um andar para o outro, e ponto. Nada de mais. É como virar o pescoço e mirar outra paisagem. Não há muros e nem divisões de um mundo ao outro. Tudo é apenas uma forma de "perceber" as coisas.
Por isso, alguns quando morrem, ainda precisam atravessar a simbologia da ponte que corta um rio. Em "tempos" passados, era o Rio Estige, e o barqueiro ainda lhe tomava uma moeda para lhe fazer esse favor. Atravessei esse rio, e devo dinheiro ao barqueiro até hoje... Alguns vêm um túnel e uma luz. Na proporção exata, porém inversa, da simbologia do nascimento (primeiro o canal escuro do útero, e depois a luz do exterior.
E assim segue a humanidade. De símbolo em símbolo. Muitas vezes não ouvindo o que a natureza tem a dizer. Sem perceber que ela mesma enquanto humanidade é um símbolo. Símbolo das coisas que não se deve jamais fazer...
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