No domingo, por volta das quinze horas já estava na redação para a reunião do fecho de jornal, porque daqui a duas horas deveria estar tudo na gráfica. Estávamos reunidos na sala de reuniões, no topo da mesa encontrava-se o Dr. Joel, à sua direita o Dr. Crispim e à sua esquerda o Sr. João. O Dr. Crispim é o mais recente diretor do jornal, poucos o conheciam, somente o Dr. Joel. Ouvia-se nos corredores que este era seu irmão, mas como os boatos são uma constante neste local de trabalho, fiquei à margem dos comentários preferidos pelos meus colegas.
– Miguel estive a ver a notícia que elaboraste, superou as minhas expectativas. Parabéns!
– Obrigado Sr. João, muito obrigado! – Fiquei surpreendido com este louvor, apesar das minhas ultimas edições terem sido um fracasso.
– Dr. Joel, porque é que o Miguel tem que ter as melhores notícias… bombásticas, por assim dizer? – Perguntou a Carla indignada.
– A noticia que elaboraste a semana passada foi um espetáculo, ainda hoje se fala dela – respondeu-lhe com um sorriso.
Carla retorquiu com um enorme sorriso.
“Para além dos teus neurónios não funcionarem, esse tipo ainda ajuda à festa” Pensei para comigo.
– Desculpe interromper, mas o Miguel e todos os jornalistas da Sessão da Atualidade fazem com que sejamos o jornal mais lido do país... não nos podemos cingir a uma só pessoa – desabafou o Sr. João. – Elogiei o Miguel porque ele é que teve a ideia para este tema tão escassamente falado na nossa sociedade e dei-lhe todo o meu apoio, como dou a todos nesta sala.
Fez-se um silêncio constrangedor.
O Dr. Crispim levantou-se e rompeu com aquele silêncio... olhei para ele, um indivíduo com cerca de 50 anos de idade, alto, magro, de tez clara, cabelo grisalho, com várias rugas de expressão no canto dos seus olhos escuros. Vestia um smoking azul claro, uma camisa branca, uma gravata que não consegui distinguir a cor.
– Como já devem saber eu sou o novo Diretor da News Page, já me apresentei às outras Sessões nas suas respetivas reuniões. Aceitei este convite para manter e melhorar as vendas deste prestigioso jornal, que já leva com doze anos de existência...
Enquanto o homem dava a sua palestra decidi enviar uma mensagem à Alessandra. Boa tarde minha querida, estás bem? Para te dizer que adorei a noite de ontem... a tua companhia faz-me bem. Beijinho grande minha italiana.
Pousei o meu telemóvel na mesa e levantei-me, dirigi-me a uma pequena mesa que se encontra ao pé do televisor e peguei numa garrafa de água. Já sentado no meu lugar abri a garrafa, dei dois goles e coloquei-a ao lado do meu telefone. Olhei à minha volta e reparei que os meus colegas estavam fartos de ali estar, somente a Carla é que estava entusiasmada com o discurso do novo Diretor.
Quando a reunião terminou recebi uma mensagem no telemóvel, era de Alessandra. Olá meu querido, estou bem e tu como estás? Também gostei imenso da tua companhia, um dia destes saímos só nós os dois, o que me dizes?
Optei por descer pelas escadas de incêndio, ao chegar à entrada do edifício as gotas da chuva já se faziam notar nos automóveis estacionados. Sem medo de a enfrentar caminhei em direção ao rio, desci a Avenida da Liberdade enquanto pensava numa resposta para a italiana.
Os meus pensamentos foram assaltados ao som de Foo Fighters aos berros vindo de uma janela aberta, onde se podia observar uma rapariga a fumar o seu cigarro, não teria mais que uns vinte anos e usava um lenço escuro para esconder o seu cabelo, porém tinha uma madeixa solta que tapava um pouco a sua face esquerda, um rosto moreno que escondia um olhar airoso. Ao caminhar pela calçada, o som Walking After You ficava mais longínquo dos meus sentidos e a solidão da cidade engolia-me sem piedade efémera.
Agora tenho o Tejo como cenário, pois encontrava-me sentado numa esplanada com uma chávena na mão, dei um trago no café quente que me fez queimar a língua.
– Merda…! – sussurrei
Ao ver o rio, as preocupações fluíam para longe, longe de uma margem escura e sem retorno. Fecho os olhos por uns instantes e vejo rostos a pairar na minha mente, mas não consigo distingui-las e muito menos agarrá-las.
– Desculpe, deseja mais alguma coisa? – Os meus pensamentos acabaram de ser interrompidos pela voz do empregado – Vamos fechar.
– Desculpe – olhei para o relógio, marcava dezoito horas e cinquenta minutos – Nem vi as horas passarem, quanto é?
– Sessenta e cinco cêntimos. – Ditou.
– Fique com o troco – disse ao levantar-me.
Bruno Miguel Inácio