I
perguntas-me pelas palavras certas.
e eu não sei como encontrá-las,
não consigo dar-tas
neste poema.
vi escrito que há palavras
duras,
inqualificáveis,
feias
que a poesia recusa.
repara no que digo:
que a poesia recusa!
II
quem o escreve crê que a poesia,
como o resto,
deve ter por norma
certamente
o politicamente correto
na forma.
como se tudo na vida fosse contido e guardado !
como um engano bem escondido
no canto de quem não diz ou canta
lengalengas,
canções de embalar,
cantigas de amigo e fados.
III
sabes?
é uma pena que Pessoa
não tivesse escrito poemas
ao me-tro-po-li-ta-no,
como escreveu ao sino da aldeia dele.
não podia!
porque naqueles anos sombrios
em Lisboa não havia o caruncho das cidades,
nem o funcho crescia com aroma
de Liberdade.
IV
é uma pena que não se encontrem por aí
epopeias,
rimas ,
ufanos sonetos
aos pacíficos hipopótamos
que medram nos pântanos africanos.
enquanto nas margens do lodo,
já na savana,
as hienas olham
desconfiadas e nervosas,
safadas e sorridentes.
manhosas!