<br />Quando o rubor da madrugada, desenhar a silhueta das casas com sua luz amanhecida .Quando os galos abanarem suas penas iniciando o canto que convoca a aurora, e as gotas de orvalho deixarem os leitos das folhas para iniciarem a viagem sem volta que umedece a terra... eu já terei partido.Sem rastros de som, para não te acordar.Não deixarei sequer o calor do meu corpo no pedaço de cama que me coube ao criarmos nela a fronteira invisível que nos separava.Terei olhado na penumbra, seu corpo desenhado sob as cobertas, seus cabelos espalhados na fronha, depositado um derradeiro beijo em seu rosto adormecido, que sequer mudará o ritmo da sua respiração.Já vestido, terei fechado a porta sem ruído, percorrido o corredor que tantas vezes nos levou ao nosso canto sem recatos.Me despedido dos livros, dos Cd’s, DVD’s, do calor que sobrou incorrupto no sofá da sala, não terei tido a coragem de apagar as marcas invisíveis das tantas vezes que dançamos, nem o som que nos levou à dança.Mala em punho, leve, das coisas poucas que levo, melancolia das muitas que deixo, terei olhado pela ultima vez a sala, as poltronas, e tentado ouvir nosso riso perdido no tempo.Já terei visto as arvores se emoldurando na luz longínqua do sol por nascer, aberto a porta, respirado a madrugada.Ligado o carro, temendo acorda-la terei partido.Quando o sol me encontrar na estrada observando a paisagem e vendo o passado se afunilando pelo espelho retrovisor, você já terá acordado.Sentirá minha ausência, e imagino uma dorzinha incerta no peito e a alegria triste como a minha de sentir-se livre, sabendo que cumprimos nossa solitária sina.Me envolvo no mundo, acelero o carro, saindo de sua vida para entrar na minha.
Carlos Said