Nasci numa cidade casada com o sol, numa rua cantada num Fado antigo.
Criei-me, num bairro com cheiro a suor e descobri-me em sonhos, à beira de um rio de luzes e cores. Brinquei, em jardins sobre telhados quebrados, com avós emprestados de olhos brilhantes, filósofos de fadas com colos de amor. Ainda menina, a caminho de já não ser, encorpei, com as noites de risos e prosa, aprendendo em pressas a vida que não queria. E hoje mulher, por direito e idade, é pela madrugada que a namoro e escrevo quem sou, em folhas com riscas como pautas de música, cobertas de rimas que aprendi de cor.
Tenho andado ausente por outros Continentes, conheço a Europa, a América e conheci agora uma parte da China, mas Lisboa, Lisboa entre colinas é a minha cidade!
Nasci em Lisboa num dia de sol, num fim de Julho com cheiro a sardilheiras.
Cidade Mãe, das mulheres de quem vim, de janelas bordadas em colinas cansadas de tanto labor. Lisboa irmã, também minha Mãe, que acarinhou as vontades, limpou minhas lágrimas e embalou meus amores. Lisboa amante, e sempre mulher, onde me deitava tarde em leitos de linho, lavado de branco, cheirando a sabão de cravos, nas almofadas de manjericos. Cidade bonita, senhora e menina, de prédios galantes, erguidos na ânsia larga das avenidas. Lisboa, serena e doce, nas tardes de Verão, dos livros devorados em bancos de jardim, o tempo esquecido nas margens dos lares de cisnes e patos em alegre grasnar. Lisboa varina atrevida, fadista e brejeira, que acolhia nos braços e consolava com beijos quem morria de amor.
Foi nessa Lisboa que um dia nasci, num princípio de Verão que enganou S. Pedro, brindando a cidade com a carícia do sol. Hoje moderna, e cheia de pressa, de ruas repletas de gente que acode à urgência da vida que escorre entre os dedos. Lisboa de varandas, vazias das sardinheiras criadas com amor, agora desenhadas com elegante desapego por quem a história lhe roubou. Cidade maltratada, de ventre rasgado, com cheiro de lixo e obras paradas, roubando-lhe a beleza num fado de dor. Lisboa vazia, dos filhos que já não tem, presa em vaidades que não as suas, pejada de estranhos que não lhe conhecem a alma. Mas Lisboa sabe - contaram-lhe as gaivotas que a visitam pela manhã - que mesmo perdida, suja e esquecida, qual mulher da vida desprezada e dorida, será eternamente menina, e linda e pura, aos olhos de quem nela nasceu e (para) sempre a amou.
E.L.
2006/29/09
E.L.