Vem-me um suspiro. Não consigo permanecer intacta
Só quero deitar-me sobre um manto branco, em relvas como as inglesas, verdes como a cor da esperança, húmidas como o pulmão do sapo, rasas como a minha alma, e deixar-me ao sol, nua.
Deixar-me vulnerávelmente invulnerável.
Procuro-me em plataformas de suburbanos de destino fixo, quando eu nunca tive um.
Quero deitar-me sobre um manto branco e nunca fechar os olhos.
Quero consumir o murmúrio dos patos que ao de longe se ouve, como se caíssem gotas de chuva venenosa em lodos empapados; quac, plac; como consumo os gritos da minha insatisfação!
Os pêlos dos braços eriçam-se-me.
Arrepia-me toda esta vibração interior de raiva.
Revolto-me. Revolto-me ao ponto do som do despedaçar do vidro, com som de quem me manda parar, ao ponto do rasgar da pele, da dormência física, ao ponto da cegueira total.
Revolto-me ao acordar, revolto-me contra mim mesma. Não há mais ninguém a culpar.´
Olha bem o campo, fotografa-o nas paredes do teu crânio, crava-o a martelo e cúfia diretamente no osso, em relevo se for preciso.
Olha bem este campo vazio, mudo e isolado
Não há vento. Não há murmúrios e respirações.
A relva apodrece. O cheiro da descomposição do sapo sufoca.
A noite esfaqueou o dia, na sua loucura. O manto branco está ali, estendido sobre a verdura podre, ensopado de ribeiras de raios solares, em manchas abstractas e grossas.
Já não há vida no dia, o manto recorda-o com o seu sangue, com os sinais em linhas recta da pulsação e da simbiose.
Acabou, viva-se a noite e o seus tremores, o espernear das pernas que sacodem o ar na esperança de se sacudirem a si mesmas do seu demónio.
Não há exorcismo possível. O braço irá para sempre arrepiar-se.
A inconclusividade irá para sempre apodrecer a relva, como a raiva poluiu o lago e intoxicou o sapo.
Ali jaz ele, em disposição mole para que em seu redor rastejem bichinhos mesquinhos e detestáveis que lhe vêm comer a carcaça.
Gravo esta imagem a martelo nas paredes do crânio.
Sinto-me melancólica. De mim parece que uma onda, ou várias, se me apoderam e me embalam, não sei se me tentando salvar ou afogar.
É um ciclo. A onda remexe-se num som agudo, enche-me a boca de sufoco e sal.
Depois surjo à tona, flutuo embalada por um som grave, testosterónico, o cântico de uma alma que canta lá de longe no horizonte sem vida, como se me contasse a morte.
Narro-me.
Olha para mim agora, encostada a uma árvore descascada.
Não há cheiro pior que este. Não há cegueira pior que esta.
Descompõem-se os corpos sem vida.
Come-se o bizarro.
Morre o sapo, acende-se um cigarro.
Que belo quadro tatuado no crânio!
Laura A. J.