[Quando éramos crianças usávamos cruzar as pernas sobre um mesmo chão e dançar sem que os nossos corpos se mexessem.
Secretamente, via os teus olhos a bailar em direção aos meus.
Eis o convite para darmos as mãos distantes, encostarmos coração com coração e dançarmos até o sol se fazer noite.
Os gatos eriçavam o pelo de contentamento ao modo que a nossa pele os percorria até à cauda.
Os pássaros interrompiam-nos o silêncio para nos seduzir com ensaiadas melodias rítmicas de sons harmoniosamente dispostos sob uma atmosfera tão perfeita quanto real.
Sempre fomos verdadeiramente invulgares nos minutos que nos percorriam as veias para se alojar na nossa memória. Sempre fomos intempestivamente (a)temporais num lugar comum que imortalizámos.
Nunca um momento dura apenas um encontro. Um momento fica em nós eternamente como quando se cai e se vê a cicatriz presa à pele para sempre.
Um momento pode ser uma vida inteira.
Hoje, com a criança que fui, sento-me sobre o mesmo chão onde tantas vezes nos sentámos. Num mesmo chão que recebeu os nossos corpos pequenos ao mesmo tempo que nos contemplávamos sem igual. Num mesmo chão onde os nossos olhos dançaram e onde os nossos corações se tocaram. Num lugar onde existimos ate o sol se fazer noite.
Este momento continua a ser a vida inteira.]