O senhor Austrincliniano era um homem prudente. Sabia-o toda a gente da sua região. Nunca dava um passo sem que previamente o medisse. Foi assim que o conheceram desde sempre. Diziam, inclusive, que falava pouco, com medo de entrelaçar as cordas vocais. Apesar disso, sempre foi respeitado e considerado por todos. Chegou a ser responsável político na sua terra.
Este homem, de nome esquisito, vestia camisa de meia manga no inverno e gabardina no verão, para não ser apanhado de surpresa por uma mudança repentina do tempo. Justificava este estranho comportamento com a expressão "o diabo nunca tem sono nem vontade de dormir!”.
Muita gente chegou a censurá-lo por atitudes tais, mas ele fazia-se surdo a tudo quanto contrariava a sua razão. Nunca foi pessoa de dar ouvidos a conselhos ou reparos.
Em tempos, teve desavenças com o padre da paróquia, só por este lhe lembrar que as telhas da igreja não lhe cairiam na cabeça (uma indirecta por ele ser pouco frequentar dos actos religiosos). Austrincliniano levou de tal forma a peito o reparo irónico que imediatamente pediu audiência ao bispo da diocese; queria a transferência do sacerdote.
No seu modo de vida, vendia galinhas poedeiras, criadas a grão e côdeas, para que pudessem chocar excelentes pintainhos. Ninguém poderia dizer que não era um homem sério! Chegou a também a vender galos cantadores, ovos de duas gemas e pegas de trave cortada (para que falassem). Neste caso, ele próprio fazia a cirurgia. Nas horas vagas capava porcos e cortava cabelos, mas apenas àqueles a quem considerava. Sempre foi amigo do seu amigo.
Quando as notícias da televisão o alertaram de que as vacas andavam a padecer de loucura (vacas loucas) e as galinhas começavam a constipar (gripe das aves) e era, por isso, perigoso comer a sua carne, ele, respeitando os seus cuidados, imediatamente deixou de dormir com a mulher (que passava o dia no galinheiro) e de comer carne de vaca.
Este respeitado senhor morreu repentinamente. Toda a gente se surpreendeu com o seu prematuro desaparecimento. Comentavam e tentavam adivinhar a causa que o liquidou…
Na autópsia verificou-se que tinha comido umas iscas de fígado com cirrose, dum porco de sua criação.
João Luís Dias