HAGIOGRAFIAS
I são Francisco Xavier
Ir sempre mais além! Sempre mais longe!...
Por tocar de cada um o coração.
Que, se não faz a cruz bom o cristão,
Um hábito tampouco faz o monge.
Ide-vos! Passo a passo mais se alonje
Quem fostes n’uma antiga escuridão.
Para que, exercitados na oração,
Esta às máculas d’alma lave e esponje.
Tende por armas antes a bondade,
Onde a misericórdia vos transborde
Desde o peito uma real felicidade.
Sim, com júbilo uníssono de acorde,
Buscai com todos ter boa-vontade,
Fazendo-nos um mundo mais concorde.
* * *
II são Francisco de Assis
Marcaste-me, Jesus, com Tuas chagas.
Rasgas profundamente as minhas palmas
Mas mesmo assim, na dor após me acalmas,
Do que na solidão sempre me indagas.”
Bendigo o sangue, a angústia, o ardor, as pragas...
Caminho pelas trevas, mas me psalmas.
Pelas fadigas d’este mundo, às almas
Toda a luz que me deste não me apagas.
Porque ouvida a ordem Tua, a obedeci,
E visto sinal Teu, o acompanhei;
Vivendo-te a Paixão, eu renasci.
Perdido para o mundo, me ganhei;
Um trovador de Deus me conheci:
Teu amor arde em mim, e eu te sonhei.
* * *
III santo Antônio de Lisboa
Douto, tanto dos Céus quanto da Terra,
Tivera a sua língua incorrompida
Para mostrar na morte o que na vida
Fora d'hereges máquina de guerra.
Sem embargo, o carinho que 'inda encerra
Sua imagem por séculos querida
Do Menino-Jesus o fez guarida,
Como honra a quem ao lúcido se aferra.
Divina é a razão posta a serviço,
Cá dos homens que às cegas buscam Deus
E se perdem p'lo mundo com os seus.
Mais festeje este seu povo tudo isso:
Aquele que na Glória luz em feixes,
Após pregar Jesus até aos peixes.
* * *
IV santa Bárbara
Há quem afinal clame pela santa
Sob o clarão dos raios de tempestade...
Quando de súbito uma claridade
Bem perto do vivente se agiganta.
Sua estupefacção então é tanta
Que mal se lembrará da autoridade
D'essa virgem e mártir que, em verdade,
Só pelo exemplo e fé há tanto encanta.
Dos mártires é a alma iluminada.
Enquanto os olhos têm fitos em Deus,
Elevam-se, por fumo, para os céus.
Dos algozes a sorte está lançada...
Vãs as invocações feitas a Zeus:
Os raios do Tonante vingam os réus!
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V são Sebastião
Mártir são Sebastião, crivado em setas,
Que estais atado a ramos tão agrestes
Para dar testemunho de fé a estes
Cuja violência contam os profetas,
Oh, vinde em nosso auxílio! -- nós, os poetas --
Livrai-nos enfim d'estas negras pestes;
(Mesmo o niilismo e o tédio...).
Prometestes
Iluminar às mentes sós e inquietas.
Curai o nosso escuro coração
Sem vos curvar jamais favores, mimos...
Antes a mais perfeita contrição.
Trovadores do nada, vos pedimos:
Sede nosso advogado em intercessão
Contra o imenso vazio que sentimos.
* * *
VI santa Cecília
Mas, entre o amor e as artes, Deus quem sabe...
Quando servi-LO é tudo o que deseja,
Oferta os seus talentos para a Igreja:
Põe música e poesia em quanto cabe.
Pouco importa que um dia o céu desabe
E leve embora amores ou o que seja,
Ela abençoa a mão que a apedreja,
Antes que a melodia à boca acabe.
Grande restauradora de canções,
Trouxera a voz dos anjos às prisões
Onde homens e mulheres esperando...
Eis a mais nobre força de tais artes!
Não fazer esquecer de quando em quando,
Sim alumiar a dor em tantas partes.
VII santa Rita de Cássia
Aquela que olha pelos malcasados
Chora com eles dores também suas...
Pois têm, mesmo passadas tantas luas,
Ainda os sonhos vãos despedaçados.
Se na vida a dois tudo tem três lados,
Tanto um e outro se veem verdades cruas.
Mesmo o amor que aquecera as peles nuas
Depois lhes deixa os olhos marejados...
Há quem diga ser coisa do demônio
A passionalidade da maldade
Que lhes destrói família e o patrimônio.
Isso faz admirável, em verdade,
Quem soubera fazer do matrimônio
Uma estrada de dor e santidade.
Betim - 10 11 1999
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.