VI
Terça-feira, primeiro dia do decimo-primeiro mês de 2016 - Encontrou-me numa complicada situação, numa verdadeira sinuca de bico. Tudo conspira contra-mim. ´Sempre foi assim, mas Deus é grande! Dona Helena veio pedir para pegar o portão, raspa-lo e repinta-lo com uma outra tinta com secura rápida. Tudo bem, porém há uns probleminhas. Estou sem um tostão nem para pagar Gabi para trazê-lo ou comprar atinta e o querosene. Che situazione! E agora sou refém dos meus próprios erros, sendo execrado pela minha imprudência. Mea culpa! Procuro me acalmar, mas a cabeça martela de apreensão com essa atrapalhada toda, nessa maré de azar, porém assumo a minha culpa, poderia ter evitado comprando a lata de zarcão, mas não preferi comprar latas de cervejas.Relaxo um pouco, quero ganhar tempo, deixando correr e ver aonde vamos parar.
Ontem Fez três anos que me acidentei e quebrei o dedo mindinho da mão esquerda com martelo que sacou do cabo e no dia de hoje foi feita um micro cirurgia no Socorrão II. A vista direita cada dia pior, nada me estimula, esses últimos dias foram péssimos para todos nós. E vamos empurrando com a barriga para não passarmos fome. Enquanto o livro desisto sei que não significará nada e que a vida continuará como sempre foi Resigno-me e carrego tranquilamente a pesada cruz que eu mesmo fiz. Não adianta reclamar, nada vai mudar a minha triste sina.
- Sim, senhor! - Exclamou a dona da cruz admirando-o em pé na calçada.
Consultava um dicionário de língua portuguesa, levantei a cabeça e a encarei.
- Sim senhora!
- Vim busca-la - Completou curvando-se para apanha-la e sem muita delongas foi embora. Pagara adiantado trinta reais.
Seu Berto puxava a burra pelo cabresto que tracionava a carroça carregada de tijolos.
Basta de reclamação e lamurias. Encontro-me literalmente com os mão e os pés amarrados.
Aleluia! Aleluia! Uma parte resolvida, apanhei o portão de Dona Helena na carroça de Marcelinho e o meu Gordinho eletricista emprestará o dinheiro para as compras da tinta e do querosene.
Noite no terraço conversando com Antenor sobre literatura e fomos unânime que a melhor cena de "Les MIserables" é aquela da pequena Cosette vai a fonte no meio da floresta escura e fria encher o balde de madeira numa fonte, perde a moeda e vem sozinha e temerosa pela trilha com sua pesada carga, quando uma mão surge do nada e aliviando do peso, era o seu anjo na forma Jean Valjean. Sempre que releio essa passagem meus olhos lacrimejam. Resolvi jejuar, não jantei e guardei uns pedaços de frangos fritos para almoçar amanhã, que segunda minha cunhada será apenas arroz e feijão. Mais um romance com final triste, o conterrâneo Amâncio de Vasconcelos é assassinado pelo ex-cunhado e senhorio num dos quartos do Hotel Paris na corte do Rio de Janeiro.