“Ó MINHA SENHORA, SAIA-ME DA FRENTE”
Tic, tic, tic, lá ia eu, com minha bengala, batendo no pavimento, naquela manhã soalheira, a adorar o deus sol, para me abraçar e darmos um passeio juntos, mas, de repente, sofri uma operação stop!
Não, não era a polícia, para ver se eu tinha licença de uso de bengala! Era uma senhora, aí pra cima dos oitenta anos, franzina, daquelas que atingem facilmente os cento e vinte!
-“Dá-me licença de lhe dar uma palavrinha?”
Num milionésimo de segundo, logo fiquei descansado. Afinal não era pedinte, até porque eu nem levava trocados!
-“Jesus é a vida a salvação, que veio ao mundo para nos salvar. O senhor acredita?” Ouvi.
Olhei aquela senhora, cheia de fé, de convicção, numa missão apostólica ambulante, interrompendo passantes e, com o respeito respondi.
-Não. Não tenho capacidade mental para compreender essas coisas.
-“Então, quando o senhor está doente a quem pede ajuda? Jesus é que nos salva!
-Como é que sabe?
-“Eu leio na bíblia. Está lá tudo.” Eu era para dizer que leio revistas, jornais e outras coisas mais, mas não:
-Eu não tenho jeito para pedir subsídios. Disse-lhe
-“Mas, ó senhor, Jesus faz tudo por amor. Basta acreditar.
-Eu admiro a senhora e outros, que estão tão convencidos, ou fazem-se, dessas certezas todas! Já eu, um limitado mental, penso que os deuses são feitos e desfeitos pelos homens.
Repare que antes de Cristo; de Jesus, (que só apareceu há dois mil anos) antes de Alá e de Há cá, houve milhares de deuses; olhe, eram os dos maias, eram os dos aztecas, os dos gregos, os dos egípcios, os dos chineses, dos judeus, dos indianos, dos africanos, etc, etc , depois passaram à reforma! O que acontece é que, em milhares de anos, Jesus Cristo, e seus afins, é o que está na moda, embora já comece a aparecer muita concorrência!
Aliás, os homens ainda continuam fazer deuses, que dão emprego a muita gente.
A senhora, por exemplo trabalha para o seu!
-“Mas olhe, senhor, Deus é só um”
-Pois sim, dizem que Deus há só um, mas cada um tem o seu, sejam pajés, bispos, cristos, pais santos, orixás, e por falar em santos, a Igreja tem milhares de santos para tão poucos milagres! Isto para não falar de bruxos e bruxas, e santinhas por essas aldeias fora!Já era tempo de despedir alguns, por falta de produtividade! Afinal, Fátima resolve tudo!
-“Mas, então o senhor não acredita?
-Não. Não tenho essa capacidade mental, até porque se eu acreditasse ficaria com problemas. Lá teria eu de seguir o que a senhora quer, isso iria mexer com a minha liberdade! Eu respeito a liberdade da senhora em vender a banha da cobra, até lhe faz bem, pois que dá um passeio, como eu, para desentorpecer as pernas e ainda faz negócio de almas, já eu não tenho jeito para pedir subsídios celestiais, só me limito a apanhar sol, sem andar, por aí, no negócio da venda da banha da cobra, que dão lucros para encher a bandeja de cada igreja.
-“Ó não. Ó minha senhora, saia-me da frente.
Foi o que a senhora ouviu, dum homem, num tom ríspido, quando, desiludida, de mim se afastou e se dirigiu a um casal, que vinha em sentido contrário.
Não sei como, nesse dia, correu o negócio da venda da banha da cobra, e o número de almas que a senhora apóstolo teria convertido e reportado ao seu bispo! Sei é que eu continuei meu caminho, sem a companhia de deuses, só com o meu, que, por acaso até é um gajo porreiro; ri-se comigo e eu com ele.
Foi o que aconteceu: Rimo-nos os dois, até porque não era preciso ser tão ríspido no;
“Ó minha senhora, saia-me da frente”.
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Autor:Silvino Taveira Machado Figueiredo
(o Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque)
Figas