Esperança
Fiquei impressionado com a grandiosidade do prédio do Mercado Central, as suas grandes portas e o movimento constante de pessoas que entravam e saiam. Sem saber o que fazer comecei a deambular por entre as barracas com seus paneiros de farinha, sacos de arroz e feijão de todas as cores expostos nas portas . As mantas de charques escorrendo aquela salmoura penduradas nos ganchos.As bancas das frutas com suas vendedoras apáticas, as bananas junto as laranjas com as maçãs e sapoti. Os murmúrios dos peixeiros e açougueiros pregoando as qualidades de suas mercadorias... e o cheiro característico e peculiar que todo mercado emana. Senhoras bem-vestidas acompanhadas por seus serviçais carregando as compras nos carros de mão. Ao ver estas cenas me perguntei, coçando a cabeça: eu posso trabalhar aqui – conclui alegremente. Sempre trabalhei como entregador.
Depois de perambular a esmo pelo recinto todo, explorando cada setor, entrei num comercio situado no lado externo, perto da parada dos ônibus. Vários carros de mão encostado-se à parede sobre a calçada na porta. Timidamente resolvi falar com um senhor que estava sentado atrás de um grande bureau, fumando um grosso charuto que intercalava com um trago de cigarro. A barba aparada grisalha devido as fumaças, de óculos de aro redondo de tartaruga. Ele conversava com uma senhora branca de feições finas e ora e outra escrevia qualquer coisa num caderninho aberto sobre outra mesinha. Dois rapazes apressados arrumavam as mercadorias nas prateleiras num canto . Aproximei-me lentamente observando o movimento dos vendedores suados em mangas de camisa com suas cadernetas anotando os pedidos dos clientes. A senhora branca de feições finas levantou-se da cadeira, o homem do charuto fez-lhe uma mesura e foi na direção do caixa. Ele lançou-me um olhar de esguelha meio desconfiado para mim e deu uma profunda baforada e fez um sinal para mim se aproximar.
- Bom dia, senhor – disse meio sem jeito, tímido com os olhos baixos.
- Bom dia, meu rapaz – respondeu analisando-me dos pés a cabeça por trás das lentes de seu óculos. – O que deseja?
- Quero trabalhar – repliquei com a voz baixa .
Ele coçou a barba grisalha e sorriu amarelamente.
- Muito bem meu rapaz! E você quer trabalhar aqui de quê?
- Como carregador.
Ele se surpreendeu com a resposta que deslizou entre os meus lábios trêmulos de nervoso, deu uma baforada no charuto, soltando as fumaças pelo nariz como uma imensa chaminé ambulante, com a mão me indicou a cadeira. Sentei-me meio sem jeito.
- Como você se chama?
- José, senhor – respondi calmamente, escondendo as mão tremulas nos bolsos da surrada calça.
- E você mora aonde?
Cocei a cabeça e olhando para os lados sussurrei.
- Eu não tenho casa, senhor.
- Como assim não tem casa? – interrogou-me seriamente fulminando-me com seu severo olhar. – Não tem família? Como é isso?
- Eu morava no Mojó com um casal, mais eles morreram num acidente de ônibus na segunda feira passada.
Ele cofiou a barba e coçou a fronte.
- Eles morreram num acidente?
- Sim senhor.
- Ouvi falar nele, terrível, inclusive morreram um cliente com sua esposa, o comerciante Biné. Quando ele disse o nome de meu bom patrão Biné, meus olhos encheram de lagrimas que verteram pelo meu suado rosto triste. – Você o conhecia?
Muito emocionado balancei positivamente a cabeça
- Eles eram os meus patrões, morava com eles.
- Então o que você esta fazendo aqui?
- Um primo distante deles herdou e vendeu tudo e colocou-me no olho da rua. Então vim tentar a vida aqui na cidade.
- Hum – aquiesceu enquanto acendia um cigarro – que pena! E o que você fazia lá?
- Vigiava os animais, limpava o comercio e fazia as entregas aos clientes.
- Muito bem, meu pequeno José, você quer trabalhar aqui?
- Sim, senhor – como gostaria – respondi muito contente, com um sorriso tímido nos lábios ressacados.