Chegamos em Detroit e fomos diretamente para o apartamento que a Empresa havia alugado para nos. Ficariamos nele, ate chegarem nossa mobilia do Brasil.
Um apartamento muito aconchegante, cheio de espelhos na parede, um quarto grande, com uma cama enorme (dava para dormir o Roque, eu, a Patti e ainda alugar para um casal! hahaha).
Tudo mobiliadinho, bonito. Mas tudo tao quieto. Aqui nos EUA nao se ouve sons na casa dos vizinhos. Alias, a gente ve muito pouco os vizinhos. Todo s sao muito dentro de seu mundo, concentrados em sua propria vida.
No dia seguinte, fomos ao Supermercado fazer compras. Tudo com nome diferente, e a farinha flour, e o fuba corn meal, e o arroz rice, e o feijao beans. Fiquei procurando um tempao o vinagre. Ai perguntei para um empregado: “Aonde voce tem vinagre?” E em vez de pronunciar vinegar, eu falei “vainegar”. O cara: “O que?” E eu : “Vinagre, aquele de colocar na salada”. Ele riu e disse: “Ahhhhhhhhh voce quer dizer “Vinegar!”.
E depois de umas voltas no Supermercado, consegui encontrar tudo, embora suado, mais ou menos para tentar uma comida brasileira.
(Lembrei-me agora da minha sogra, que veio para ca. E disse: "Vamos comprar musculo para fazer uma sopa?" "D. Salete, aqui nao tem musculo". Ela riu, e disse: "Como, vaca aqui nao tem musculo?" "Nao tem, D. Salete, elas nao sao criadas em morro"... Pura verdade. NAO EXISTE musculo no Supermercado. E em lugar nenhum. Outro aprendizado: nao tem musculo nos EUA. rs)
Saimos de la e fomos comprar um hamburguer. Afinal, queriamos experimentar um Hamburguer Americano pela primeira vez. (rs). Entramos no McDonalds. E fizemos o pedido. O cara perguntou algo e nao entendi. Falei: “O que?” E ele falou de novo. E eu: “O que? poderia repetir?” E ele falou bemmmmmm devagarrrrrrrrrr: “EH ..... PARA .... COMER .... AQUI.... OU..... LEVAR....?” (so faltou adicionar: "Sua besta!") Na verdade ele falou tudo junto assim: “FOR-HERE-OR-TOGO?”...
Fomos para a mesa e comecei a rir sozinha. Imagine, eu Bilingue! Nem na Sta. Rita de Catigeró! Nao entendia nada. Parecia que eu estava no Alemanha. Hahaha Custou para
aprender a velocidade da lingua, aprender a ler os labios, os gestos. Parece que a gente nao acompanha. E parece que nem eles acompanham a gente. Eh engracado. senti uma saudade de falar assim: “Que ce ta falando cara, nao to entendendo!”. Em Portugues mesmo! O Portugues gritava dentro de mim.
Uma coisa engracada eh que quando nos aborrecemos com algo, dentro da gente vem todo o aborrecimento em Portugues! Jamais voce consegue pensar as palavras que gostaria de dizer em Ingles.
Eu achava tudo diferente, mas bonito. Assim como uma paisagem parada. Como nos filmes. Meio sem vida, sem cor.
Lembro bem quando veio a primeira neve. Aqui eles chamam “flurries”... eh aquela nevinha leve, que parece casquinha de gelo... Eu estava na cozinha lavando louca, e na frente da pia tinha uma janelinha... De repente comecei a olhar e ver aquelas casquinhas cairem. Larguei a louca lah, troquei de roupa depressa, gritando para o Roque: “Esta nevando!”..
Sai la fora correndo, rindo, olhando para o ceu e abrindo a boca. Eu queria comer neve. Sentir neve...Um frio... que delicia! Fiquei a rodopiar la for a, como nos filmes. O Roque gravou tudo. Via ele da janela, e acenava. Que caipira! Mas que delicia ser caipira.. Hahaha Aquele dia foi inesquecivel. Pegava os floquinhos com a mao, olhando para cima aquela coisa linda caindo....
Uma americana que trabalhava na mesma Cia. que o Roque trabalhava, saiu comigo para me ajudar a comprar roupas de frio. Casacoes, botas, luvas, aquele “cuecao” de colocar por baixo, que aquece, eu me senti a propria Star Trek! Pensei assim que o dia que nevasse, e eu quisesse sair, teria que comecar a me trocar de madrugada para colocar aquilo tudo.
O Roque ainda nao havia comprado os casacos, iria comigo no Sabado.
Entao... aconteceu!
A TV anunciou uma tempestade de neve! E eu fiquei toda entusiasmada! que delicia! Queria ir la for a, brincar na neve, jogar neve, deitar na neve, comer neve...
Bah! No outro dia olhei para a janela e o dia estava cinza escuro. Feio. E montes de neve. Mas MONTES! Mal podiamos da janela enxergar o carro do Roque. Haviamos comprado todas aquelas coisas para tirar o gelo do vidro, aquele vassourao... Entao a Patti estava dormindo, e desci com ele para ajuda-lo a limpar o carro. Um pequeno comentario aqui: O Roque usando um terninho daqueles brasileiros, fininhos, com um casaco brasileiro que tambem nao daria no couro. Descemos. A hora que eu enfiei o pe la fora, a neve veio ate metade da minha perna. Eu andava como um robo. Alias, nos dois. Chegamos ate o carro e comecamos a limpar. E chovia neve, e ventava neve. Nos comecamos a rir muito porque limpavamos e o vento cobria tudo de novo. Riamos, riamos... (Ah como eh bom ser jovem, ne? A gente acha graca de absolutamente tudo!). Mas agora estou pensando: eu ainda acho graca em tudo, na verdade!
O Roque conseguiu sair e corri para o apartamento. Fiquei a olhar da janela a neve, e naquele momento me deu um sentimento tao gostoso de aventura. Eu nao podia sair de casa porque ainda nao havia tirado minha carta de motorista. Mas resolvi cozinhar. Sim, cozinhar. Um feijaozinho brasileiro, com arroz, um peixe e legumes. Tudo era diferente: o fogao era super possante e meu primeiro arroz foi uma negacao. Saiu pior do que aquele "unidos venceremos". Meu feijao meio seco, meu peixinho ate que ficou bom, e a vagem meio durinha. Comi e achei tudo gostoso.
Meus dias eram solitarios, mas dedicados a minha filha. Comprei todos os livrinhos infantis americanos, Cinderella, Branca de Neve, livros de numeros, de letras, e meu mundo por um tempo foi dentro de casa, depois de ter trabalhado como Secretaria a vida toda... ensinando minha filha a reconhecer as letrinhas, e a ouvir as historias, que eu contava em Portugues, olhando o livro em Ingles. Representavamos as cenas... ela comia a maca, e eu, o Principe corria para beija-la. Perdia o sapatinho, e eu o Principe vinha experimentar. Servia! Ah que delicia, conhecer esse mundo infantil. Reciclar tudo de novo. Sentir-se crianca!
E quando a colocava para dormir a tarde, eu ia correndo assistir novelas, com caderno na mao. Anotava tudo. Olhava no dicionario. Aprendi muito a cultura americana atraves das novelas.
E tambem expressoes idiomaticas, girias... foi um grande aprendizado!
Eu a fazia dormir e saia de mansinho, para aprender Ingles atraves da TV, e as vezes eu a via chegar na sala com seu pijaminha (que linda lembranca!) dizendo assim em sua linguagem de crianca: "Nao dumi!". (rs).
Era novembro e fomos convidados para um jantar de Acao de Gracas na casa do Diretor da Companhia. Esse foi o jantar mais inesquecivel da minha vida....
E ele, eu conto na proxima parte.
*Mary Fioratti*