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Além das nevoas Azuis IV - As preocupações da Fessora Angelica

 
CAPITULO IV
AS PREOCUPAÇÕES DE FESSORA ANGELICA


Professora Angélica acendera a lamparina e a pendurou no meio da venda. A rua as escuras, sem movimento. Colocou seu banquinho de ferro na porta e sentou-se. Vestia um dos seus últimos bons vestidos, o beiço pintado de batom vermelho, cruzou as mãos no colo. As portas e janelas das outras casas fechadas. Um vento fresco varria os pequeninos grãos de areia. Acostumada a mesmice de sempre: dos velhos fregueses sempre a assediando com suas linguagens brutais. Dos fiados nunca resgatados, das promessas nunca cumpridas. Mas algo fixara de maneira a pensar nas conseqüências da brincadeira da manhã, com mais seriedade. Sabia que aquelas mãos ensebadas e a voz inconfundível eram de Seu Dico, mas levada não sabe por que motivo acabou pronunciando o que não queria. Por que dissera logo o nome daquele outro que nem bem conhecia. E verdade que o olhava com bons olhos, era novato e parecia ser bem dotado. Mas Seu Dico cortou-lhe o pensamento justamente na hora em que pensava no outro, com aquela brincadeira infantil e sem querer acabou balbuciando o que não devia, sem pensar nas conseqüências. Agora sentada no seu banquinho, observando o inobservável, pesava-lhe a consciência, o que aquele maldito poderia fazer. Desde quando pedira placidamente que não viesse mais visitá-la nas horas mortas, o mesmo ficara indiferente e quem sabe pensaria besteira. Sentadinha candidamente como uma santa, refletia seriamente no assunto e nas suas causas. Apesar do pouco tempo, conhecia muito bem a historia de Seu Dico, desde quando ainda vivia por detrás das Nevoas Azuis. Todas marcadas com sofrimento. Primeiro a estimada companheira, vitima de um tumor maligno que comera quase todo o corpo, depois o filho primogênito, morto com uma facada certeira num dos rins, no dia de São Pedro, desferida por um trombadão, após ser agredido com um tapa no rosto pelo mesmo e por ultimo ele mesmo vitima de um mal que o apostemou durante um longo período até desencarna-lo da vida terrena. Sabia bem essa historia, pois toda ela foi-lhe narrada tintim-por-tintim pelo mesmo logo após a sua chegada a Jeruz, ainda aparvalhado e a procura dos seus entes queridos. No começo, cansada de viver em segredo com S. Judas Tadeu, que de hora a outra vinha-lhe extorqui-la para amainar a ira do Nosso Verdadeiro. Foi com prazer que sentiu a chegada daquele estranho, nervoso e magricelo e um tanto amalucado perguntando-lhe sobre a Ilha de Cubas, buscava confirmar a veracidade dos fatos que foram-lhe transmitido pelo pequeno Embaixador Plenipotenciário ( o único que vivia nos dois mundos), que dissera-lhe, que seu filho, Heider, chamado Jorge fora enviado a tal ilha por ordem do Nosso Verdadeiro, para trabalhar com carcereiro do presídio. No segundo dia, apareceu mais a vontade, refeito da longa viagem e de suas atribulações, com ar satisfeito e um pouco brincalhão. Fessora Angélica convidou-o para tomar café e naquela mesma manhã de sol, pediu-lhe com jeito que viesse visita-la nas horas mortas para conversarem melhor e mais a vontade. Seu Dico aceitou de imediato. E nas horas marcadas, ele chegava de mansinho, se esgueirando pelas paredes, abria com muito cuidado a cancela de madeira do corredor externo, passava pelo estreito jardim e caminhava lepidamente sem a menor pressa até à alcançar a porta do fundo., a mesma porta que ela abria para poucos. Para a sua surpresa, a angelical fessora Angélica entreabria-a devagar, antes que ele batesse, trajando sumariamente uma camisola transparente sem nada por baixo, deixando a mostra todo seu potencial de mulher formosa. Seu Dico meio-encabulado, hesitava em encara-la com vergonha, mas a fessora usando todo o poder de dedução, puxou-o com força pelo pescoço que quando percebeu já estavam deitados na cama. O quarto mobiliado parcamente, uma grande cama de imbuia com um lençol de cetim vermelho, um guarda roupa sem porta, uma cômoda com a imagem de uma santa em cima com uma vela acesa. O odor gostoso de incenso inundava suavemente o ambiente. Sem muitas delongas, fessora Angélica se despiu e trepou em cima dele. Foi uma noite memorável de tanto gozo que ele proporcionou-lhe que não teve duvida em convida-lo constantemente para as visitas madrigais. Até que ele voltou, o outro. E sem pestanejar proibiu-o energicamente de visita-la. No fundo gostava dele, mas como mulher independente não poderia assumi-lo publicamente devido a sua insana vontade de se deitar com outros homens e esse não era um costume local, as pessoas viverem maritalmente. Entreviu na escuridão da rua e percebeu alguém que se aproximava lentamente. Uma silhueta conhecida, de chapéu de palha na cabeça, um grande saco de aniagem nas costas. De pequena estatura com uma bermuda jeans remendada na bunda com pequenos retalhos pretos, a camisa de propaganda eleitoral as avessas. Professora Angélica o reconheceu de imediato e encheu-se de alegrias ao vê-lo bem perto. Com ar cansado e o rosto banhado de suor, apesar do frio, o pequeno bosquímano parou diante dela e sorriu, franzindo todos os músculos faciais. Arriou o pesado saco do ombro e jogando-o no poeirento chão:
- Boas noites – Cumprimentou-a respeitosamente, olhando fixamente nos olhos dela Ainda não entrou? – Inquiriu mansamente, sem alterar a voz, coçou a rala barba. – O que aconteceu, mamãe? – Os olhos franzidos injetando-lhe duvidas: – O que aconteceu?
Fessora Angélica levantou-se calmamente, e entro na venda levando consigo o banquinho de ferro. O Perguntador agachou-se para apanhar o saco de boca fechada com um nó e a seguiu, deixando apenas uma tênue luz avermelhada a destacar-se na escuridão findando-se no poeirento chão da rua. Olhou avidamente para todos os lados, antes de aproximar-se do balcão, onde por trás deste fessora angélica aboletou-se no seu banquinho.
- Como foi a viagem? – Indagou-lhe para o Estranho que não era estranho e o mesmo a imitou sentando-se em cima de uma saca de arroz:
- O de sempre, nada de anormal, graças a D.Deus, o Nosso Verdadeiro – Fez um bico e persignou-se olhando para o teto.
- Vai um cafezinho? Apressou-se a fessora no intuito de cortar alguma coisa que ele poderia querer perguntar. Ele balançou afirmadamante a cabeça, passou a mão no rosto para limpar o suor que brotava aos borbotões. Ela levantou-se e desapareceu por trás da cortina de missanga, que dividia a venda de sua moradia. Minuto depois retornou com uma caneca de louça esmaltada fumegando, deixando-a sobre o balcão. Imediatamente ele aproximou-se e apoiando os cotovelos e com a mão direita segurou a orelha, levando devagar aos lábios, sugou um bom gole, recolocando-o perto de si. Fessora Angélica voltou ao seu lugar. Ele franziu a testa a cada golada até finalmente secá-la. E empurrou para perto dela. Levantou o chapéu, apanhou um maço amarrotado de cigarro que repousava suavemente sobre o seu liso e nego cabelo, tinha somente um. Pousou-o habilmente nos lábios e o acendeu em seguida. Deu uma tragada, a fumaça exalou por todos os cantos, enevoando o angelical rosto amada professora, que também acendeu o seu - Fessora Angelica, a senhora ainda não explicou o motivo de tamanha inquietação . O que afinal a afligi tanto?
Ela olhou candidamente para ele e sentiu que poderia abrir-se e contar-lhe toda sua angustia que açoitara durante o dia todo, tirando-lhe até o seu insaciável apetite. Queria começar, mas não conseguia articular claramente as palavras, que embaralhavam-se no seu conturbado cérebro:
- Hoje, aconteceu uma coisa desagradável..... o angelical rosto transmudara-se subitamente, deixando a mostra as suas preocupações sentimentais.
- O que aconteceu de tão grave assim? – Perguntou-lhe depois de uma longa tragada e coçar o pescoço. Cruzou as perninhas – Bem, eu não tenho nada com nada, a senhora responde se quiser – Inclinou a cabeça, para melhor sentir a beldade e a sensualidade que emanava dela. Banhada pela fria luz vermelha da lamparina balançando as sombras, depois de uma rufada de vento. “Bonita pra desgraça” exaltou-se mentalmente e na silenciosa mente embevecida do prazer que o rosto e a formosura lhe proporcionava...

Extraido do livro homonimo do Clube de Autores (www.clubedeautores.com)


 
Autor
r.n.rodrigues
 
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