A lágrima de Deus é a chuva
Um sussurro angelical soprou-me nos ouvidos como uma sinfonia inédita e primorosamente composta para a alma. A penumbra calmante do anoitecer forçou-me herculeamente a minha pupila até produzir uma imagem de um rosto dócil, infantil e imaculado de um anjo de passos curtos, rápidos e firmes; ele flutuava sobre a calçada da esperança, do porvir, da pujança da idade.
Busquei na continuidade da reta produzida pelo seu rastro o aconchego da paz proporcionada pela sua efêmera presença, no entanto, a forma similar de como apareceu a mim foi a mesma que protagonizou a sua dispersão na luminescência fraca de um entardecer nostálgico e divino.
Os sons produzidos e decriptografados em palavras de reflexão profunda invadiram minha’lma como um furacão de sentimentos confortantes, apascentados de desejos simples, descompromissados com o poder, com a fama, com o sucesso, com as tentações odiosas, com a dimensão terrena.
Busquei insistentemente ainda, cheiros de inocência que por ventura tenha impregnado o aroma daquela caminhada esplendorosa, no entanto, faltou-me a potência do olfato curioso e espetacularmente confortado pelo sussurro.
O horizonte apresentava-se como um misto de vermelho acinzentado com um azul nebuloso, provocando-nos previsões de temporal de desejos lacrimejantes, mas a névoa da escuridão de um principiar noturno, também contribuíra para a constatação de uma chuva de final de tarde e início de noite, que caprichosamente não acontecera.
Persistentemente o sussurro acompanhou-me; caminhei em direção ao horizonte infindo na busca dos primeiros pingos de uma chuva de mistérios, de inquirições, de orações comedidas, de apelos histriônicos, porém, desiludido abriguei-me no guarda chuva da dúvida, da incompreensão, esperando que um próximo sussurro adentre aos meus ouvidos nas curvas caprichosas dos meus tímpanos.
Os olhos ávidos, ligeiros e incessantemente atentos, perseguiam imagens formadas nas nuvens do destino, buscando principalmente respostas para todas as questões que orbitam nossas almas, mormente aquelas que promovem incertezas, causando-nos doses elevadas de incredulidade e ceticismo.
O que era um sussurro agora se transforma n’uma frase clara, inteligível, audível, vinda da boca de uma criança, garantindo e afirmando de uma forma inocente, cativante, convincente, que: “a lágrima de Deus é a chuva”; uma feliz e inédita afirmativa que então embalara um sono real com sonhos curiosos, que nos arremete aos questionamentos infinitos da psique humana.
Dentre esses questionamentos cito o derramar das lágrimas de sangue dos destinos tortuosos, curvilíneos, que tanto nos persegue, nos inquieta, nos distancia do acreditar em Deus, do amor ao próximo não como irmão, mas como semelhante; dos infortúnios vivenciados no transcorrer da trajetória indefinida da luz ofertada pelo Criador Maior, chamada vida.
Essas mesmas lágrimas derramadas por nós, traduzidas em orações de apelo, de perdão, de calmaria das tempestades impetuosas do existir, são as mesmas que por muitas vezes transbordamos dos nossos poços da falta de fé, de amor, de misericórdia.
Confirmando verdadeiramente que as lágrimas derramadas por Deus são a plenitude de conforto, da vida abundante de seus filhos, criaturas frágeis, incompreensíveis aos olhos da justiça, mas promotoras de acontecimentos incalculáveis, que ciente das lágrimas derramadas quando pedimos, quando suplicamos, quando oramos, são chuvas sim de glória, de dádivas divinas.
Recompondo-me, pois, da situação capitosa provocada pela miopia tosca das razões incongruentes, mirei novamente na imensidão colossal do horizonte da empatia com o Criador, da esperança divina e a chuva que esperara ver e sentir emergiu como um vulcão inativo, espalhando cinzas e larvas de um fogo incandescente, acalentador de expectativas boas e sensatas, que precipitou num raio imensurável de prazer, de alegria, de comoção e comunhão com Deus, materializando sim, que as lágrimas de Deus é a chuva.