ODE NOCTURNA
I
Os cães ladram na rua
Sem qu’eu saiba por quê.
Não há no céu estrelas; não há lua...
Tampouco mais viv’alma aqui se vê.
Observo da janela: Tudo escuro!...
Por volta da meia-noite
Ainda que me afoite
[ eu a procuro...
II
Procuro em meio aos vultos,
Que passam tão sombrios
E envoltos de mistérios ‘inda ocultos,
-- Entre alucinações e desvarios... --
Àquela cujos olhos rebrilhantes
Me vem iluminar.
Sem qu’eu possa a tocar
[ qual tocava antes.
III
Sim, ela foi-se embora.
E eu... Fico aqui sozinho,
Enquanto está n’algum lugar lá fora,
Seguindo o seu errático caminho
Pelas sombras de cada madrugada...
Feliz -- ou ainda não... --
Já fez da escuridão
[ sua morada.
IV
Porém, sua presença
De mim sinto tão perto,
Que as alvas névoas d’essa noite imensa
Parecem me envolver o olhar incerto
Como fossem o alvor de sua pele...
Imploro uma vez mais
Que ouvindo ela os meus ais
[ se me revele:
V
-- “Vem, minha desejada,
Pôr teus olhos nos meus...
Detém um pouco mais tua jornada,
Apenas para qu’eu te diga adeus!
Não sei mais que fazer d’essa saudade,
A não ser me entregar
Depois de te encontrar
[ na irrealidade...”
VI
"Tu vens?! Já sinto a boca
Beijar teus lábios frios...
A minha pele à tua ávida toca
E te arrepia os pelos tão macios...
Murmuras o meu nome e te desnudas
E atado por teus liames,
Permito que tu me ames
[ e que me iludas..."
VII
"Gemidos já de fêmea
Suspiras tão atraente,
Que até a própria Vênus se vê gêmea
De ti, porquanto amante bela e ardente!
Tu soltas as palavras já sem nexo
Nas línguas vãs do amor,
Enquanto o meu ardor
[ te orvalha o sexo."
VIII
"Teu corpo sobre o meu
Me cobre como um manto...
À flor da pele um poema se escreveu
N'uma ternura quase de acalanto.
Tinhas amor na ponta dos teus dedos.
Pois tu me conhecias
Das noites mais vazias
[ meus segredos..."
IX
"Então as tuas unhas
Cravaste em minhas costas
-- À maneira dos versos que compunhas
Que embora tristes tu, obscura, gostas --
Até sangrar-me a carne de prazer,
Colhendo após meu gozo
Co'o olhar mais amoroso
[ que há-de haver."
X
Senti gosto de sangue,
Como o hálito da morte...
Sobre mim, o seu corpo ainda langue
Buscava uma carícia algo mais forte...
Foi quando a possuí completamente:
Tocando com mais calma
Até que, ao fundo d'alma,
[ a mente ausente...
XI
Assim, depois de tudo
Olhava para mim
Como tivesse o olhar perdido e mudo
Pressentindo estar perto já o fim;
Como quisesse um pouco mais feliz
Já tão triste final
Embora fosse irreal
[ o que me diz:
XII
-- "O amor é uma morte
Pequena tida em vida...
E por mais e melhor que nos conforte
Parece nos matar na despedida.
Porque quem ama já não quer morrer...
Agarra-se mais forte
À vida do que a morte,
[ sem saber..."
XIII
Partiu como chegara
Em meio à noite escura,
Deixando uma alegria muito rara
Feita tão lindamente de ternura!
Não sei se era fantasma ou fantasia,
Só sei que foi amada,
Quer real ou imaginada
[ a hora vazia.
Betim – 21 09 2016
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.