é uma rua de lamúrias secas, de amores mortos e flores de plástico. há casas onde se descascam as feridas que melhor se descascariam num divã de psicanalista ou com desenhos feitos com gizes de cera a mostrar os problemas impossíveis de se exprimir em palavras.
a casa de escombros e espúrios não é de criação. é um salão de beleza com slogans de produtos famosos. há um limite de ensinamento na casa porque a maioria de seus habitantes é composta por vampiros e outros tipos menos elegantes de sanguessugas.
há fileiras e mais fileiras de estantes onde se cultivam in vitro desde as indianas às chinesas, das européias às americanas, das do norte às do sul, as mais variadas fórmulas de massagens e mentiras, em suaves prestações.
as casas assemelham-se cada vez mais a centros comerciais: deixa de existir a idéia de coabitação para dar lugar à de rotatividade. o passado é esquecido como fosse enfiado em buracos da memória, alterado, aviltado, até que a mentira se torne verdade porque é assim que consta nos anais da história.
não é mais que um mercado de peixes, onde as senhoras que ainda guardam o sonho frustrado de cama desfeita, mulher satisfeita verificam os olhos dos peixes, olhos mortos a menos tempo que os delas.
não é mais que um mercado onde o cheiro das frutas se mistura ao dos peixes e ao das ervas milagrosas que, com satisfação garantida, prometem aumentar a ereção dos velhos que ainda sonham em levar uma polaca para a cama antes de morrerem de esquecimento.
os púlpitos improvisados com caixotes de madeira foram largados há muito pelos primeiros pensadores. estes já embarcaram para terras férteis, morreram, ou gastam mais sabiamente a saliva pregando para os cães. ninguém ainda descobriu se há por lá um homem honesto.
há cobras na rua que, apesar de só se alimentarem três vezes ao dia, podem destilar seu veneno o quanto quiserem, coisa que fazem com tamanha galhardia e há tanto tempo, que se tornaram um símbolo de lá. seus vultos ondulam na bandeira que há no meio da praça, numa eterna caminhada sem sair do lugar.
na parte principal jazem alguns bêbados a louvar o passado ou preconizar o futuro. os poucos que conseguem caminhar, embriagados e esquálidos, erguem as mãos para frente ou para cima, dependendo de qual deus lhes for conveniente no momento.
como que a mostrar o caminho de saída, vários canteiros de flores e pedras que ainda trazem na memória a época em que eram usadas para fazer justiça. sobre a placa que dá nome ao lugar, jovens penduraram uma maior em neón a alertar os recém-chegados:
"abandonai toda a esperança vós que aqui entrais"
é possível enxergar, antes de entrar no lugar, vários grafitti em cores escuras, com mensagens claras e caligrafia de aparente pressa:
não coma nem beba o que te oferecem aqui
saia enquanto há tempo
todos dormem
não entre
fuja