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Aplausos e pateadas!

 
Perguntaste-me:
como podem as mil e uma noites
chegar à eternidade?
Ao dia a dia das coisas menores que fazes?
À vidinha que tens?

É simples!
Basta acrescentar histórias às histórias de Sherazade.

Como?

Contaram-me que um velho muito velho
tinha nas mãos o dom da palavra:
batia palmas e soavam discursos!
Palavras e mais palavras saltavam-lhe das mãos
e, se a conversa fosse triste, até os dedos choravam.

O velho não podia bater palmas sempre,
porque as palavras das mãos eram mais sinceras
do que as palavras que dizia quando falava pela boca.

De inverno, quanto o frio pesado lhe caía em cima,
o velho batia palmas para ficar quente
e de entre os dedos ouvia-se o Pessoa
carregado das razões, do calor e do frio
que tinha e não tinha.
E às vezes Camões: “alma minha...”

E quanto mais quentes lhe ficavam as mãos
mais quentes eram as palavras que se ouviam.

Num dia de frio, de luvas calçadas,
ouviu-se a voz rouca e sumida da Florbela
que mal conseguia sair-lhe pelos pulsos...
“Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,"…

E quando às batidas dava jeito de sapateado
e gestos de flamenco,
eram de Lorca as palavras que se ouviam.
Voz arrastada...
entre lamentações ciganas e o fado.

Num dia de calor o velho, de mãos suadas,
limpou as mãos humidas e bateu palmas para secá-las.

E Pablo Neruda saíu-lhe a cantar Tango
Viúvo, como o pai a um mês dele ter nascido.

Ah! Mas o velho também batia os pés!

Ficou famosa uma pateada no São Carlos
por conta do Castelo do Barba Azul.
Nada que se devesse ao Bartok,
que nestas coisas do canto as pateadas
vão mais para quem abre as goelas pífias
e regurgita fífias em forma de canto.

No fim do primeiro e último acto
(que o compositor foi poupadinho),
toda a minha gente pateava a Judite e ele também.

E pela manga dos peúgos saíu-lhe o Ezra fanhoso:
“Arre! Já celebrei mulheres em três cidades,

Mas é tudo a mesma coisa;

E cantarei ao sol.”

Um dia, uma criança que estava à beira do velho,
sabendo daqueles seus dons pediu-lhe
que batesse palmas e pateasse ao mesmo tempo.

A algazarra foi tanta vinda das mãos
e de baixo, pelas perna a cima e de todo o lado,
que o coitado do velho caiu por terra!

E em dois dias foi enterrado.

 
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Luis
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Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 03/04/2017 22:25  Atualizado: 03/04/2017 22:25
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 Re: Aplausos e pateadas!
Só vim dizer que fui ver a blog e o poema Chegou o Calor encheu-me a medida para hoje: encantada com a analogia aos canídeos, deixou em mim a crua realidade