Não há barcos e reflexões azuis nas ondas, o mundo das sombras é sempre misterioso, visível na retina apenas nos limiares da noite. Não adianta muito arquear os olhos percorrendo os cantos da praça em busca de um melhor ângulo dos bancos. Raios acetinados pululam rastejantes levantando poeira do asfalto dando a impressão que o alcatrão adquiriu a capacidade de refletir a luz.
Nessa escuridão deslizava a bicicleta com alguma esperança. Já sabendo de antemão que em breve poderiam ser mais de dois. Não era muita vantagem já que ainda não conseguia dormir sem verificar se as folhas molhadas estavam bem aderidas aos ladrilhos e as mãos ao volante iriam ficar muito frias.
Porém a cena sempre será familiar. Mesmo que a alma conte e veja estrelas em semicírculos ao redor do piano. Aquele famoso de Casablanca, nem mais nem menos.
Não houve alternativa a não ser pular o portão em silêncio torcendo para que o cão de guarda tivesse a barriga cheia e os ouvidos tapados. Senão haveria algo mais sobre os tormentos e mais motivos para não dormir à noite. Nesse viés de sombras havia um falso brilho. E muitos sons ainda harmônicos com os risos e os vestidos brancos.
São muitos. Cada vez mais tentando aprender o voo solo das mariposas em volta do neon. Vêm a mim, às vezes não muito claros, quando reconheço que sou passado obscuro como o cair das noites. Não fui mais que um minuto mesmo. Deixo-os ficar. Sei que são efêmeros enquanto inutilmente me esforço sabendo que meus olhos não estão procurando os seus por alguma razão maior que a estranha vergonha da incapacidade de mantê-la. Maior ainda de não conseguir que voltasse.