Poemas : 

(des) caminho

 
Atiro-me à cama com a fastidiosa sensação de fronteira. Sou um poço com fundo longínquo, a derradeira lucidez que precede a morte.
Existe um muro, intransponível, e eu sou esse muro. Não me encontro fora nem dentro, sou o meio de mim, o pedaço que a ninguém pertence, sem nome, nação ou hino.
Onde a chuva cai e ninguém vê. O lugar onde se abate a tempestade e ninguém repara.
O sítio onde as emoções dão lugar a um rodopio de sensações difusas, como uma nuvem prestes a rebentar de água, mas que nunca rebenta.

Paulo Coutinho

 
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super_prisma
 
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Enviado por Tópico
MarySSantos
Publicado: 10/08/2016 21:26  Atualizado: 10/08/2016 21:26
Usuário desde: 06/06/2012
Localidade: Macapá/Amapá - Brasil
Mensagens: 5848
 Re: (des) caminho
intimo demais esse universo... que bom que se revelou em versos e ... que bela indumentária o poeta escolheu para retornar ao sítio. seja bem vindo!

bjo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 11/08/2016 12:35  Atualizado: 11/08/2016 12:35
 Re: (des) caminho
Seja bem vindo novamente a esse sítio!

E como reestreia nos presenteou com esse poema tão intimo e profundo!

Parabéns !

um abraço,

Anggela

Enviado por Tópico
Margô_T
Publicado: 11/08/2016 17:51  Atualizado: 11/08/2016 17:51
Da casa!
Usuário desde: 27/06/2016
Localidade: Lisboa
Mensagens: 308
 Re: (des) caminho
Uma escrita (bem) mais cifrada do que parece a uma primeira leitura… (desde logo a começar pelo título com o “des” em parênteses, dando-nos duas possíveis leituras)
Num gesto de fastio, o corpo atira-se para a cama, mas a cama aqui tem um significado bem diferente do usual, já que é vista como parede/”fronteira”. O corpo fica sobre a cama e, debaixo da cama, está o chão… assim sendo, a cama é a fronteira que separa o corpo do chão.
A partir desta imagem criam-se as seguintes… sempre mantendo esta ideia de que há algo com que esbarramos (por vezes nós próprios: “Existe um muro, intransponível, e eu sou esse muro.”), algo que nos separa do que desejamos, algo inacessível.
Diz-nos o sujeito poético “Sou um poço com fundo longínquo” e eu daqui vejo um abismo (que poço mais fundo poderá existir?)
a derradeira lucidez que precede a morte”, acrescenta. Ora, a morte é o fim do abismo/precipício, portanto estaremos a descer um abismo/precipício enquanto nos aproximamos dela, tendo, nessa altura, “a derradeira lucidez que precede” a queda – faz-me sentido.
De repente, o “muro” deixa de ser a cama e passa a ser o próprio corpo. Mas, enquanto no caso da cama tínhamos o corpo e o chão como “extremos”, no caso do corpo temos o “fora” e o “dentro”.
O corpo não se encontra nem “fora” nem “dentro” dele próprio. O corpo é um muro. O corpo está no “meio” de si próprio - entre o “fora” e o “dentro”, portanto. Deste modo, o corpo não se pertence (daí o abismo referenciado em cima), não é nomeável, não tem quem o contenha, não tem quem o exalte.
A chuva cai no chão, cai nos telhados e há-de cair em todos os interstícios em que vá parar… nesses sítios que nos passam despercebidos. O corpo que não é corpo estará nesses lugares – e será atingido pela chuva.
Mas que sítio é esse, afinal, onde a chuva cai e o corpo se encontra? Uma zona que as tempestades também atingem e “onde as emoções dão lugar a um rodopio de sensações difusas”. Porque uma emoção que se transforma numa “rodopio de sensações difusas” dispersou-se de si mesma para originar, possivelmente, muitas outras (díspares, até). E tudo o que dispersa causa muros porque se afasta, deixa de ser uno. Eis, portanto, uma “nuvem prestes a rebentar de água, mas que nunca rebenta”, um muro intransponível, um ponto/lugar de desequilíbrio.

(des)caminho? Sim, porque o corpo se descaminhou, perdeu a sua rota original, perdeu-se de si próprio, apartou-se.
Caminho? Também… porque todos os caminhos são feitos de muros e o próximo passo no trilho poderá ser o de quebrar este “(des)caminho” evaporando a água que se encontra prestes a rebentar dentro da nuvem… Assim, a nuvem tornar-se-á leve e não mais fará sombras densas sobre o chão. Do mesmo modo, a cama assentará num chão com menos sombras, menos peso… e o corpo abandonará a sua “fastidiosa sensação de fronteira” (des)atirando-se da cama e seguindo o seu Caminho.



Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 19/10/2017 15:07  Atualizado: 19/10/2017 15:08
Usuário desde: 03/09/2012
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 Re: (des) caminho
Prisma

Onde a chuva cai e ninguém vê. O lugar onde se abate a tempestade e ninguém repara.
O sítio onde as emoções dão lugar a um rodopio de sensações difusas, como uma nuvem prestes a rebentar de água, mas que nunca rebenta.

Belo e sentido! Imaginei um palhaço triste que precisa caminhar e fazer sorrir enquanto chora por dentro, a lágrima fica prestes a transbordar dos olhos, ali no caminho, mas ele consegue represá-la num muro imaginário!
Adorei!
Beijos!
Janna