O que eu sou e o que tenho
Devo a terra
Sua história e sua dor
Em minhas veias
O pó que insiste em se negar
A ser estrela
Até minha chama apagar
Poeira
Somos os filhos nutridos
Do seu leite
Mas sempre ingratos por achar
Quem alimente
A mão sedenta e poderosa
Que destroça
O colo que o abraçar
Um ventre
Eu sou o filho amado
Que castiga
O chicote que açoitar
Meu semelhante
A nobreza que acomete
Minha ganância
Também a honra de aprender
Da queda
Sou mais daquilo que cativo
E não possuo
Dependente do afago
Que me nego
Comprando paz e alegria
Sem remédio
Do vazio que me traz
Ter tudo
E pra curar minha cicatriz
Eu volto a terra
E já descalço me permito
Ser criança
Me despindo da armadura
De ser forte
E ver que tudo é só
Poeira.
"A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito." Manoel de Barros