Ainda há tantas marcas em tua face.
E ainda há tanta dor no sorriso tímido
com que tu sempre me dizia: um dia... um dia... Eles ouvirão...
Tanto tempo, Favinho de Mel... Trinta e tantos. Tantos e trintas.
E só agora, nesse Portal que me chegou por acaso,
É que pude te rever.
Só aqui, nesse estranho Portal do acaso,
é que me livro das máscaras que a vida me cobra
e das quantidades que o Mundo me exige.
E tantos te precederam, moça, que, às vezes,
sinto novamente a dor que nos infringiam,
porque ousávamos pensar... Lembra?
Tantas marcas, ainda.
Lutamos o bom combate e tu morreu a boa morte...
A morte por não ceder... A morte por ser inteira...
A morte por saber
que biografias e ideologias
valem mais, muito mais
que esse sórdido apego ao Poder...
A boa morte, de quem não merecia ver
em que transformaram "o sonho socialista" que sonhamos.
Agora, turbas de "inocentes úteis"
vociferam em uníssono: Golpe(!) Golpe(!),
louvando uma pseudo "Esquerda"
e uma falsa "Democracia" que se aliou
ao pior do "Capitalismo Selvagem",
em torpe conluio com empresários falsários
e nefastos latifundiários.
Invejo-te, companheira. Talvez, aí, tu não sofras esse desrespeito.
Quem passou pelas "salas dos Dops" e, pior, pelas "valas ignoradas"
em defesa da "Democracia de Verdade" não merece esse desrespeito.
Não, nada veja e nada escute.
E nem imagine se a "coragem" de que hoje se jactam
seria mantida nos "Paus de Arara", que sabemos.
(imagine-os com as unhas arrancadas com alicate, como tantos de nós?)
Continuariam?
São tristes esses dias, mocinha, em que é pouco o perigo
e muita é a petulância de quem se julga revolucionário.
Eles passarão.
Alguns, talvez, bem intencionados e só mal informados.
Mas tu não passará,
pois mais que uma vitima,
você se fez estandarte da coragem real contra inimigos reais.
Não, tu não passará,
face bonita de todos nós, os "dinossauros de 1964".
Porém, favinho de mel, não se demore nessa visita.
É tempo de curar as feridas que a vida e a Tirania te fizeram.
Por muito tempo perdi o teu rosto,
Mas, hoje, tu mo devolveu.
E, junto dele, o tempo
em que tudo existia de verdade.
É hora de ir.
Para Beth, torturada e assassinada pela Ditadura Burguesa e Militar que vigorou no Brasil a partir de 31 de Março de 1964.