XVIII
Uma manhã de sexta-feira na oficina depois da caminhada até o bairro da Areinha para comprar meia-barra de ferro para complementar a grade. Aproveitei para comprar a 'bicha' na boca de Seu Raimundo num beco esquisito na Avenida do Jambeiro. O local estava deserto ao contrario da primeira vez, somente uma magrinha sentada na raiz de uma arvore subnutrida escondendo um cachimbo improvisado de fumar crack na mão.
- Diz ai coroa,o que vai? - Perguntou-me meio desconfiada,olhando-me dos pés a cabeça.
- Vai um boldo,uma chila pura - Respondi meio nervoso aproximando-se dela,que se levantou de supetão e enfiou a mão no bolso da bermuda, puxando um pequeno pacote e voltou-se a sentar-se no mesmo lugar e o abriu sobre os finos joelhos que assemelhavam-se a dois palitos. Novamente olhou para mim de soslaio.
- Quanto?
- Dois reais - Disse-lhe entregando-lhe a cédula e um pedaço de papel para embrulhar o 'bagulho'.
Ela rapidamente apanhou um punhado de ervas e colocou sobre o papel que eu segurava a sua frente.
- Olha ai coroa,tá bom
Enrolei subitamente enquanto andava para a saída do beco, sempre cabreiro com medo de um camburão da PM aparecer e me levar de rodão.
Quando o livro chegar vou começar a escrever "Le Cahier Jaune de Pére Joseph". - gostei muito desse personagem,uma especie de alter-ego.
Meio-dia e trinta na III Casa Bamba
Mama grande gripada deitada na rede. Larissa na cama vendo a SKi. Professor também. Minha cunhada e a pequenina Adrielle sairão para irem ao Hospital para se vacinarem.. O valet ou factótum de Professor como de praxe navegando na Internet. Clarinha irrequieta na cadeira de plastico vermelha. Sonhei um sonho muito louco com a Van, a minha June - como numa comedia de Jerry Lewis onde nada dar certo - Começou como nos bons tempos,um casal super apaixonado e andávamos num mundo de felicidades. Estávamos numa cidade desfigurada., íamos para a redação do jornal Extra levar um artigo para publicação, mas ainda estava manuscrito então Nelson,o dono pediu-me para mim digita-lo. Avisei Van para esperar um pouco. Fomos para a Praça João Lisboa,onde a deixei num bar que nem existe e desci pela Avenida Magalhães de Almeida, ao passar sobre uma poça d'água sujei a sandália com uma lama fétida. Ao passar defronte de uma casa com um corredor, observei uma torneira e pedi permissão para um rapaz que estava em pé, encostado na parede. Ele assentiu e a usei e quando fui fecha-la, deu problema ela quebrou e água começou a jorrar inundando o corredor. Fiquei nervoso e fiz varias tentativas infrutíferas para encaixa-la no cano. Depois de muito insisti resolvi comprar uma nova, desci a ladeira da Avenida entrei no primeiro comercio e procurei p preço da torneira, mas era muito exorbitante e o pior os vendeiros zombavam de mim em altas gargalhadas. Retornei triste, um senhor já havia improvisado um tampão e sem querer mexi e o mesmo sacou. O Senhor perdeu a paciência, zangou-se comigo, ameaçou-me com um cabo de vassoura, fui obrigado a sair correndo. Não encontrei mas a rua do jornal nem o bar onde deixei Van me esperando.
Noite na sala de estar. As meninas brincam no sofá, Mama Grande sentada na cadeira branca de frente para mim ao lado da porta fechada.
- Te aquieta menina - Grita a minha exasperada cunhada tricotando na cadeira vermelha. Chambinho a cadela enrodilhada próximo ao sofá. Sarinha no computador deliciando-se no seu Facebook. Larissinha deitada na penumbra do quarto. Faço-lhe uma pergunta, aponta com o dedo a garganta inflamada, impossibilitando-a de falar. Mestre Professor deitado no quarto do casal vendo a SKI. Maman tosse, uma tosse seca. As cinco e meia da tarde sai para o meu passeio vesperal. Seu Carlos, o valet empurra a porta e entra sutilmente e vai para a cozinha.
- O que é o jantar? Pergunta sem cerimônia para minha cunhada com uma marmita na mão servindo-se de arroz.
- tem um pedaço de galinha e um ovo frito. Tu que sabes? - Responde candidamente. Ele a enche e vai para casa.. A situação aqui não esta muito boa. Falta carvão, café, arroz - assim reclama minha cunhada.
Terminou o capitulo da novela. As meninas se divertem. Maman cochila com a cabeça apoiada na mão no braço da cadeira. Começa o Jornal Nacional. Ao voltar do atelier onde fui fumar "unzinho" encostei rapidamente na praça para cumprimentar a rapaziada. Não fui a Lan-house. Quero amanhecer ao menos com cincoenta centavos no bolso.
XIX
Manhã de sol no atelier de la vie. Seu Nezinho nu da cintura pra cima pinta a grade que o dono já pagou. Cheguei as seis meia, dormi mal. O odor forte da tinta impregna o ar, o transformador de solda ligado. Um caminhão carregado de lajota entra no deposito de Seu Biné.
Meio dia na Casa Bamba
Peço a seu Carlos, o valet mudar-se de lugar, estava sentado no meu divan. Meu filho apareceu de manhã cedo na oficina, fiquei até preocupado.
- Mamãe me acordou para comprar ripa e prego - explicou-me suavemente.
- Sai de perto dessa televisão - Esbraveja minha incansável cunhada para as pixixitinhas que estão no quarto dela ouvindo musica. Mamacita deitada na rede.
Noite de volta a Casa Bamba, depois de apertar um 'chaule' no atelier. A colegas de Sarinha, amigas do Salão assistem amontoadas na cama de Larissa um filme.E esta injuriada refestelada no sofá. Terminou o filme e elas passam em bando pela sala. Antenor no computador.
- Vamos Antenor - Convida laconicamente Sarinha ao passar pela porta da sala.
- Essa Sara é um caso serio - Ironiza o mesmo.
Minha cunhada um pouco tocada pelo vinho começa a sua viagem ao passado recordando no tempo que Sarinha era ainda um bebe. Jantei um ovo frito sem farinha e café com leite. Vendo o clássico filme "Superman". Assisti também o final do show dos Rolings Stones. Para amainar a fome que grassava o meu combalido estômago vazio,bebi café com leite e quatro bolachas agua e sal que surrupiei de minha mãe. Todos dormindo. Exceto eu e professor que ainda não chegou da esbórnia. Meus amigos acondicionados um sobre o outro - leio Tolstoi, Defoe, Joyce, Fitgerald, Dickens e uns escritores franceses Jacque Borel, Roger Boutefeu - todos aos mesmo tempo. Mas com afinco mesmo todos os dias "Ana Kerenina" de Tolstoi e "Moll Flanders" de Defou.