Contos : 

OS TORMENTOS ACIMA DAS MEDIDAS

 

Como tenho saudades imensas da minha infância! Anos alegres quando começou a despontar em mim uma genialidade que jamais iria me abandonar e que até hoje carrego em que pese alguns tormentos acima das medidas, mas suportáveis desde que encarados como provação. Com os ônus e bônus de toda genialidade. Mais ônus que bônus na verdade, mas isso não vem ao caso. De águas passadas e favas contadas as rodas paradas dos moinhos estão cheias.

Nossa casa era simples e havia fartura. De tudo. Faltava água, luz, sobremesa e às vezes até a mesa saia correndo e meus irmãos e eu tínhamos que sair correndo atrás delas. Na verdade só eu corria já que meus irmãos eram umas lesmas lerdas. Por sinal, continuam na lesma lerda, quer dizer... deixa pra lá que também não vem ao caso.

Meu pai era dado a pescarias e possuía um barco que deixava apoitado e preso corrente e cadeado. Certa feita saímos para a pescaria dominical após a missa. Meu pai remou até uma corredeira e jogou a poita nas pedras e lá ficamos tentando fisgar uns mandis para a mistura do almoço. Certo que tinham gosto de óleo diesel, mas era melhor uma fritada de mandis que aquela polenta com linguiça que minha mãe fazia.

Pode deixar que explico. Sentávamos em volta da mesa de madeira e ela estendia um oleado. para quem não sabe, é uma toalha de um material parecido com borracha forrado com pano por baixo. Pelo menos lá em casa era assim. Daí, ela jogava o panelão de polenta na mesa bem no meio e com a colher de pau puxava para o lado de cada um de nós sentados em redor. No meio da mesa colocava a linguiça. A gente pegava a colher e ia comendo a polenta pura em direção à linguiça. Quem comesse todo o quinhão e alcançasse o petisco ganhava um pedaço.
Daí a dizer que era melhor uma fritada com gosto de diesel que ter que comer quase meio metro de polenta para ganhar um tora de linguiça.

Mas, como ia dizendo - ou melhor, ia escrevendo- com o bote apoitado na corredeira jogávamos os sondás na água à espera dos peixes. Mais um parêntese. Para quem não sabe, o sondá ( assim mesmo, com acento no “a”) é uma linha de pesca comprida com chumbada pesada e dois anzóis que se usava para pescar na corredeira.

Nesse dia os peixes estavam mordendo bem e já tínhamos enchido metade de uma fieira quando senti os pés molhados. O bote estava fazendo água.
Dei um grito e chamei meu pai que catou uma latinha de leite condensado aberta e mandou que eu e meus irmãos tirássemos a água.
Obedientes que éramos, assim fizemos e uma meia hora depois ainda havia água.

Com aquela lática de nada passando de mão em mão e gente não dava conta de esgotar a água.
Meu pai estava lá na proa, em pé ferrando os mandis, meus três irmãos e eu nos revezando para tirar a água do barco. Foi daí que tive a ideia que iria mudar a minha vida dali por diante.
Disse a eles com toda autoridade de irmão mias velho. “ Olha aqui negadinha... Não vamo dá conta disso. Mas eu tenho uma ideia... fica só oiando...".

Dito isso, peguei um pedaço de ferro que ficava debaixo do banco e fiz um buraco no meio do barco, não sem antes olhar para meus irmãos e dizer:
“ Assim, a água vai sai tudo e não vamo mais tê trabáio.”

Levantei e fui até a proa aguardando os elogios que certamente receberia do meu pai pela minha excelente ideia quando o barco começou a afundar.

Meu pai pegou o irmão menorzinho que não sabia nadar e nos atiramos na corredeira. Saímos mais abaixo, uns cem metros, num poço, bem onde um cano de esgoto da cidade descarregava um monte de lerda. Não a lesma, mas essa ai mesmo produzida nos vasos sanitários e despejadas nos rios.
De lá a gente só via o castelo do bote já totalmente cheio de água.

Meu pai todo enfezado, literalmente mesmo, na acepção da palavra, furioso me pegou pela orelha dizendo: “Não mandei tirar a água do bote?”
Quando contei a ele a grande ideia que tivera e eu mesmo pusera em prática sozinho, levei uns piparotes, uns cascudos e um chute nas partes pudendas.
Mas me conformei em levar a coça quando ouvi meu pai dizer:
“ Mas como é inteligente esse menino. Vai sei muita coisa na vida.”
E não é que ele estava certo. Certíssimo de amendoim...

 
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sarcopio
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/06/2016 22:12  Atualizado: 21/06/2016 22:12
 Re: OS TORMENTOS ACIMA DAS MEDIDAS
é irmão,
o tempo voa,
vc não chore o leite
derraammaddo.

compre uma cabritinha
faça seu rebanho,
ah, qual a idade do irmaozinho,

25, 45, 87, 99?

ou 69?