Pudesse eu olhar as pegadas que deixei nesse caminho que calcorreei
onde nascem agora pedras cinzentas, alinhadas, tapando o passado
esse que vivi loucamente como tem pressa de não morrer
sem olhar o horizonte, a paisagem, sem sentir o perfume das flores
Pudesse eu encontrar nessa chuva que me acorda, não ter sonhos
nesse vento que me afaga não sentir a minha alma pura
nessa luz do luar não ver a sombra do que tentei ser e não fui
nesse aroma da noite não sentir as noites que perdi, procurando-me
Pudesse eu mudar a fita do filme, ser actor secundário
talvez espectador passivo dessa história que conheço
sair no intervalo e na rua prosseguir cantando a música do genérico
dançando a alegria de ter alcançado o segredo do enredo
Pudesse eu mudar esses anos em que perdi esse rumo
os meses que deixei passar em dias banais de futilidades
e reescrever os dias com cores vivas e alegres
Pudesse eu fazer tudo isto e não seria o que sou hoje
não teria o que tenho hoje, conquistado, ganho,
teria sido em vão o suor que suei, as lágrimas que chorei,
o riso com que vos contagiei em actos de humor constante
Pudesse eu mudar o que sou, o que não sou,
tenho a plena certeza que mataria a minha alma
vivendo o que não fui, sendo o nunca fui
desconhecendo-me a mim próprio
Pudesse eu mudar alguma coisa
mudaria a possibilidade de haver mudança
porque, afinal, ainda vivo os sonhos de criança
certamente muitos tornados reais
Pudesse eu descansar desta viagem mudando o meu rumo
perderia a coragem de mesmo cansado chegar ao meu destino
Delfim Peixoto © ®