A igualdade perante a ordem dominante jamais existiu além de um conceito puramente romântico. Essa realidade impressionante costuma ser tenazmente negada pelas elites que determinam o equilíbrio social que mais convém a seus interesses econômicos através da imposição de normas. Mas no conjunto desses preceitos que precipuamente serviriam para disciplinar e proteger tanto as relações entre os indivíduos quanto os próprios indivíduos é que se manifesta a vontade das elites, o, poder das minorias econômicas, intelectuais e dirigentes que formam o seleto grupo dos emergentes das oportunidades.
A tendência das elites é de perpetuarem-se no poder, prevalecendo seus interesses. Doutra forma, se permitissem o acesso das massas à educação, ampliando as oportunidades de mobilidade vertical na estrutura social, fatalmente chegar-se-ia a um modelo onde a minoria pensante seria gradativamente acrescida a cada vez mais de indivíduos esclarecidos, politizados e principalmente ou perigosamente – independentes: enfim, cidadãos na acepção e plenitude da palavra, defendendo a manutenção da cidadania.
Todas as formas de Estado jamais podem declinar de preparar os seus dirigentes. E fatalmente a escolha recai sobre as elites que não representam o povo e nem o Estado. Política e economicamente representam a si mesmas, refletindo seus próprios interesses. E convenientemente, através da mídia e formadores de opinião, justificam que a escolha dos dirigentes de um Estado deve sempre recair sobre indivíduos cultos, bem educados, de boa aparência, com vigor físico e bem nascidos. Obviamente, brancos, machos e ricos.
Uma minoria dirigente, porém, jamais assegurará a perpetuação no poder se não utilizar-se de um intenso mecanismo de propaganda para legitimar política e culturalmente as suas intenções disfarçadas. E dependendo do grau de cultura ou da constituição moral da sociedade é que a atuação será direcionada.
No discurso dessas minorias a sobrevivência do Estado depende do nível cultural de seus dirigentes. Na verdade, a integridade, a honestidade e a capacidade de discernimento podem vir a suprir eventuais deficiências culturais. Inteligência e cultura são conceitos diversos e não necessariamente coexistentes e interligados. Mas para as elites, a própria deficiência numérica – a única que apresentam - é suprida pela capacidade intelectual.
Querem as elites fazer parecer que não se constituem numa classe privilegiada e que sobre si, repousa todo o equilíbrio da ordem, a harmonia nas relações entre os indivíduos, a verdadeira Paz Social. E manter esse equilíbrio faz parte de um sacrifício ingente que exige uma incomensurável capacidade intelectual. Esse modelo, estruturado numa sociedade de classes resiste bravamente a todas as investidas.
O Poder Constituído deve ser o reflexo da vontade popular em cujo nome será sempre exercido. Os ideais da “liberdade, igualdade e fraternidade” sucumbem diante do conceito elitista que o nivelamento econômico colide frontalmente com o sistema capitalista. Caso se fizesse o nivelamento, essa prática viria a anular a competição que é a força propulsora do sistema...
Para STUART MILL, “a massa é sempre uma mediocridade coletiva”. Nesse sentido, mais uma das tendências das elites é impor uma “ditadura do intelecto” o verdadeiro império dos bem nascidos, a nata da inteligência filosófica, hodiernos descendentes de PROMETEU que roubaram dos deuses toda a tecnologia científica. Moradores dos grandes centros urbanos e egressos das universidades prevalecem sobre a “massa inculta e seus líderes, ignorantes e despreparados”.
O poder das elites sempre repousou na existência de um aparato repressivo, fiel e subserviente que cumpre mansamente esse triste e patético seu papel: reprimir as minorias para manter as minorias. É o poder que delega para manter-se no poder. E os atores dessa opereta bufa julgam-se investidos de algum poder ao receberem migalhas das elites. Escolhidos, exercem-no em seus próprios nomes, mas no interesse dos senhores. E para justificarem a delegação, julgam-se estarem em constante vigilância, sempre alertas para impedirem que a “maioria medíocre” ou as minorias de excluídos, subvertam o equilíbrio da ordem dominante, abrindo nas muralhas do poder uma fresta pela qual possam penetrar e num devaneio idílico, porventura permanecerem, desfrutando benesses.
Um aparato repressivo que atenda somente os interesses das elites consiste também numa minoria, numa classe privilegiada, mas à semelhança dos antigos eunucos, sentem o poder, convivem com suas seduções, mas jamais poderão efetivamente utilizarem-se dele. E nessa condição, elegem o modelo de uma elite eunuca, desprezada pelos poderosos e odiada pelas massas, mas necessários e úteis a ambas por pretensamente manterem a harmonia que disfarça o equilíbrio dessa canhestra ordem dominante.
Esse simulacro de poder seleciona seus valores numa expressão qualitativa do reflexo da imagem mirabolante das elites nos espelhos da truculência e da cupidez humanas.
Na realidade, há uma diferença substancial entre o verdadeiro poder e seus simulacros investidos. Estes cortejam os poderosos, odeiam as outras minorias e abominam os que demonstrarem iniciativa e ideias próprias, sendo prática comum exigirem que o autor de uma sugestão seja o único responsável pela sua execução pratica. Aqueles exercem o poder econômico, seduzindo e corrompendo e deixam transparecer conceitos onde se insurgem como defensores da estrutura social, porém, substituindo pela própria vontade os anseios daqueles a quem dominam, oprimem e dizem representar. Quanto aos anseios dos investidos, são facilmente comprados.
O reflexo mirabolante de um poder “branco, macho e rico” não é o reflexo do verdadeiro poder das elites, mas serve aos propósitos daqueles que execram as minorias como uma manifestação espontânea advinda, porém, da necessidade dos verdadeiros senhores em controlar e prontamente dominar qualquer alteração na ordem social.
O verdadeiro poder tem a cor que lhe convier no lapso temporal considerado e assume o sexo mais propício, eventualmente travestindo-se se a situação requerer.
Mais do que isso, é impessoal, ascético, insípido, incolor e inodoro e destina-se à realização das vontades das elites.
Mas sem sombra de dúvidas a principal característica é a pujança econômica. O poder é rico e a riqueza sempre será o poder que propulsionará os que cinicamente mantêm o equilíbrio da ordem dominante.