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Sofia e os seres da borda da Terra

 

Não foi sem tempo para que as bocas de leão florescessem exalando o odor característico dos cravos de defunto. Tudo sob a luz das estrelas e também para contentar os demais familiares que quando em quando, queixavam-se estarem esquecidos.

Encerrada em pensamentos um tanto sofismáticos para àquela hora da manha, Sofia surgiu vestindo um taier brilhante, prateado com penugens que farfalhavam diante do ventilador. Em seu interior amadureciam pensamentos como um caroço de abacate manteiga prestes a brotar ainda na casca. No topo da escada em caracol sentia na face as correntes de ar que de quando em quando arrancavam penugens do traje, fazendo-as voar pelo ambiente qual planador alçando as termais no sopé de montanha.

- Onde poderia fretar um Jet Sky a esta hora da noite? – pensou. – Que surpresas e perigos me esperam na borda da terra? Afinal de contas, sou apenas uma gota no oceano, um vaga-lume meio ao clarão das estrelas. Se bem que sempre é melhor que ser uma rã que não conheceu nem o pai e nem a mãe, sorrindo para os raios do sol sem óculos escuros.

No pé da escada, observando cuidadosamente rótulos de garrafas de vinho, Grimaldi limpava a teste várias vezes tentando torcer o saca-rolha com certa habilidade até prendê-lo no topo da rolha escolhida. Divertia-se com as observações de Sofia que um dia viu carregava o gatinho e divertindo-se correndo com os cabelos soltos num verde prado, a alma repleta de felicidade como no final de um conto de fadas. Sem tirar os olhos das rolhas, respondeu:

- Todos sabiam de antemão que não seria mesmo possível embarcar o jumento naquela canoa. Boa parte das folhas iria desviar-se e os pássaros iriam voar muito além do horizonte milagroso em chamas. Vi mais de uma vez as fotos das manifestações. Além dos riachos e do lago gostei quando veio a chuva e molhou o dossel verde da floresta. Foi bem feito para os que não foram prudentes levando um guarda-chuva.

Sofia sorriu ao ouvir aquelas palavras. Sempre sorria quando Grimaldi fazia comentários sobre seu corpo bem quando dizia frases sobre a natureza. Doa alto da escada, levantou o joelho de modo a quedar-se numa pose sensual e disse com voz macia:

- Ainda é de manhã. Os raios do sol sempre irão absorver a aura das pessoas. Mesmo a chuva na distância acabará ficando atrás das paredes brilhando a luz de um ou outro relâmpago ao meio dia. Se o sol pode ser assim tão brilhante entendo por que vivo e respiro neste universo. Nunca entendi esse seu parentesco com a dinastia Ming...

De repente, os ventiladores pararam de funcionar e uma rajada de vento vindo do alto fez com que ambos silenciassem e piscassem os molhos para evitar o turbilhão de areia. Algo amedrontada pelo repentino e inusitado fenômeno que acabara de presenciar, Sofia desceu as escadas como se estivesse recebendo calor direto de um alto forno numa sensação que dançava ao som de antigas polcas. Enquanto despencava escada abaixo, lamentava que não foi comprovada a existência da criatura peluda da floresta, descrevendo um perfeito redemoinho com piruetas oscilatórias que provocavam cócegas na garganta a ponto de ser obrigada a verter uma ou outra lágrima amarga. Foi preciso usar de energia para não ser ofuscada pela luz âmbar e manter os cabelos mais ou menos alinhados quando ficou de cabeça para baixo. Mas, tinha pouco apetite e o sono era leve quando afinal aterrissou elegantemente no carpete da sala de jantar.

- Sofia, minha querida!- disse Grimaldi. - Sempre vejo uma porção de sementes de vincas azuladas em você. Prestes a eclodirem e se integrarem à natureza fazendo companhia aos grãos de areia que se soltam das curvas de níveis. Sabe que amo a natureza mais do que amo sua mãe, se bem que não há regozijo nenhum em comparar grandezas assim diversas e tão descomunais. Sinto toda a pureza da sua alma ondulando na brisa que sopra cálida desde as bordas distantes...

Ao ser lembrada da existência dos povos que habitam as bordas da terra, Sofia interrompeu a fala de Grimaldi apenas com um gesto das mãos mostrando-lhe a outra face da lua cintilante não sem um translucido brilho de lágrimas. Calou-se algo triste lembrando-se do temido encontro. Mais cedo ou mais tarde, mais dia, menos dia, teria que defrontar-se com as chamadas do vento do mar aberto escritas em negrito zumbindo nos cabelos. O coração já apertado iluminava os zumbidos dos ouvidos e dizia em voo cego pelos desfiladeiros das altas montanhas que na parte inferior do lago Ness algo brilhava nas noites de luar. Decidida a não ser suplantada por energias negativas, varreu rapidamente o carpete espalhando as penas e penugens do coração.

- Que beleza – pensou, enquanto se abaixava para apanhar o lixo numa sacolinha de supermercado. – Este mundo é tão vasto e brilhante que o arco-íris tornou-se mais quente e com mais cores. Jamais pensei, mesmo num dia assim tão quente que a brisa iria calcinar as flores, cobrir as folhas e deixar o arco-íris com tantos tons de cinza.

Grimaldi calou-se também. Percebeu que havia feito a brisa parar e descansar à sombra de olmos e teixos. Uma pena para as flores que acabaram sendo coberta por fina camada de leite em pó desviado da merenda escolar. Olhou em volta como se procurando alguma das criaturas das hordas celestiais. Somente viu flores e suas duvidas e medos cederam à curiosidade maior diante das perguntas de Sofia sobre a possibilidade de bolotas de pinheiro serem polinizadas in vitro. Pensativo, viu apenas ao longe o espantalho do milharal num inverno quente, assistido por cavalos, vacas e ovelhas trazerem as cores dos prados e muita água cristalina do riacho.

 
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FilamposKanoziro
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 29/03/2016 02:57  Atualizado: 08/02/2019 00:46
 Re: Sofia e os seres da borda da Terra
Respeitosamente meus agradecimentos por ler.