(trecho inicial)
"EU quero acordar a vizinhança
Para ouvir meus berros pela madrugada
Mas, eles não escutam nada,
Não escutam nada que acontece na madrugada.
Eu jogo nas ruas minha música,
Toda minha poesia e frases feitas
Mas eles não entendem nada,
Ninguém entende o que acontece na madrugada.
Eu ando pelas ruas vendo vitrines,
Crianças sujas em seus trapos podres
E choro junto pelos que têm fome,
Não sei por quem choro nem bem quem amo.
Eu abraço os pobres de espírito
E escuto todas suas pobres histórias,
Esses pobres e patéticos de alma pobre
É meu encontro certo nessa madrugada.
Eu passo por ruas e vielas úmidas e escuras
E escuto um choro de criança,
Um repetitivo e desgraçado choro de criança
Que é o pior de todos os refrãos.
Eu vejo as pessoas e seus passos apressados
Em todos os cantos, todos os lugares,
E temo que sigam meus rastros
E apresso meus passos por essa cidade.
Eu ouço as sirenes berrando nas avenidas
Se misturando ao som das discotecas lotadas
E o barulho do metal retorcido
Criando um novo contraste, outro tipo de grito.
Eu canto com você quase todas as noites
E, algumas vezes, me pergunto: cadê você
Que partiu tão cedo e me deixou aqui...
E agora acordo sozinho!
Deus, eu tento e não consigo entender
Razão que justifique esse viver.
Sou peão em jogo que não se vê
Toda a madrugada até o amanhecer.
Algo comove todo o meu ser,
Algo que não compreendo e nem tento entender,
Algo que surge todos os dias quando acordo
E me persegue até o anoitecer.
Algo acontece,
Algo comove,
Algo incompreensível,
Um novo amigo?
Dizem que estar é quase que viver
E viver é o limite do que se pode querer.
De fato, algo acontece que se queira aqui estar,
Porém, nem de todo esse desejo almejo.
Nada mais é suficiente
Quando não se sente mais o aroma das flores,
Quando as cores já não mais emocionam
E não podem ser vendidas ao olhar.
Destes-me tão raros momentos
Que alimentam o futuro ainda que no Presente,
Mas, a vigília que fazes em todos os meus passos
Tira-me o sabor das coisas mesmo em pensamento.
Na minha nobre e pobre terra eu vago
E me alimento das lembranças dos mentirosos,
Embebedo-me com alegria e gozo
E caminho insistente na terra dos leprosos.
Na minha humilde terra vago,
Hora sou soberbo, hora ignorante.
A fome que me cerca é desmedida,
A carne é fraca e a alma idem.
Peco tanto quanto o pior dos pecadores,
Desperdiço um tempo que não mais tenho,
Não diferencio o certo do errado,
Compartilho a ceia com meus detratores.
Não sinto mais o gosto do vinho,
Não reconheço um sorriso,
Não me recordo dos abraços,
Finalmente estou só!
Peso minha consciência na balança de um açougue
E o açougueiro me fita com olhos de rapina,
Não há acordo algum sobre o preço dessa carne,
Nem se é de primeiro ou de segunda.
Deus, tu que és dono das idades,
Conceda-me das horas o seu minuto final
E faça com que o mundo inteiro saiba
Que o miserável partiu, afinal.
Conceda logo esse desejo
E termine de vez com essa obra,
Livre das cidades esse infeliz
Que insiste em saber o que ninguém sabe.
Quando há febre, não faz mais diferença,
Há tempos o sangue é veneno.
O vermelho é a cor da cólera e do pecado:
O poeta sabe quando está condenado.
Se há mesmo poesia nessas avenidas
Tão iguais em diferentes cidades,
Que seja reconhecida
Em prol dos que perseguem a vida.
Enterro na memória mais profunda
As gigantescas torres de concreto,
As grotescas estruturas de vidro
Que imitam uma nova artéria.
Uma nova artéria,
Um novo estilo de vida,
Uma nova companhia
E uma precoce parada cardíaca.
Como os carros que se beijam nas avenidas
Encontro a companheira perfeita
Que me fala ao pé do ouvido:
“_Me aceite como a definitiva!”
Finalmente, o medo percorre minhas veias
E alimenta um sentimento esquecido,
Uma vontade absurda de ver o próximo dia
E tentar outra saída.
Todas as ruas estão congestionadas.
Uma favela inteira acaba de ser incendiada
Enquanto alguns moradores tentam salvar
O que resta de uma vida inteiramente falida.
Há uma reviravolta
Em torno desse humilde coração,
Um carnaval,
Quase que uma provocação.
Todas as veias são velhas e fracas,
Há melancolia em tudo.
Mesmo sem haver poesia,
E vice-versa, há vida em tudo.
Essa cidade é apenas tijolo,
Metal, suor, concreto e vidro,
Cimento preso a sentimento
Muitas vezes belo e muitas vezes feio.
Essa cidade é areia,
Concreto e sentimento,
Tristezas e alegrias,
Poesias jogadas ao vento..."
Poesia em homenagem a T.S.Eliot. espero que gostem...