XIV
Manhã chuvosa e fria. A garganta voltou a irritar. Minha cunhada na labuta diária de lavar a sala de computador. As chuvas chegaram e com ela os maus negócios. Minha cunhada com sempre brava e irritada com a malemolência de Larissa, essas divergências são cotidianas. A chuva aumenta e me preocupo com a oficina, as rachaduras e outros pesadelos. Balzac vai comigo para depois de cortar os ferros das grades acompanhar o drama da bela Esther e Rubempré, e a paixão doentia do velho banqueiro Nucingen e a esperteza de Padre Herrera/Vautrin/Collins - o anti-herói.
Mas tarde na mesma manhã nublada - O poeta descansa depois de sua incessante luta para cortar os ferros. O céu continua encoberto, não chove, como de manhã em pingo miúdos. Além da velha dor ciática que o sempre o acompanha, agora tem o fantasma latente da fome que ronda a Casa Bamba. Os recursos escassearam, a fonte secou e teremos que sobreviver por conta própria. Eu faço o que posso, mas me preparo para o pior.. As gambiarras não parecem, o açúcar acabou (minha cunhada mandou Larissa telefonar para Sara levar um pouco). Um clima ameno. Um casal de cachorro passam tranquilamente.Para amenizar a fomizinha bebo agua. Lembro-me de um colega de Professor que dizia quando estava com fome, bebia agua e dormia para o dia passar mais ligeiro. Recordo-me também do livro "Fome" do Nobel sueco Knut Hamsun, andando pelas ruas de Cristiania delirando de fome (pedi emprestado na Biblioteca Publica em 1980). Um carro da Blitz Urbana, o medo deles interditarem a oficina por causa das aparentes rachaduras. O amigo de Gordinho vem me cumprimentar. Fecho os olhos e imagino a situação caótica provocada pela ausência de alimento, a que mais vai sofrer será a pequena Larissa, e os bichos de minha cunhada latindo e miando dia-e-noite, a vizinhança metendo a lenha. Ocorrência funesta nos espera, vou virar uma caveira ambulante - um futuro humilhante para a família Bamba.
- Dez e meia - Disse-me um cidadão desconhecido parado no meio da calçada olhando para o pulso.
A agua secou e não quero apanhar na casa de ninguém, esta virando abuso. Vamos ler.
Quase meio-dia de uma manhã nublada, o sol apareceu, mas escafedeu-se rapidinho por trás das nuvens carregadas. O jumento de Seu Dracula zorrilha e o poeta lendo com gosto e admiração o grande Balzac e as entranhas do sub-mundo parisiense do século XIX - O mundo balzaquiano em todo seu esplendor, somente uma mente criativa de um grande romancista poderia criar um trama tão intrigante que prende atenção do leitor num linguagem rápida e acessível. A tarde Dickens e o seu maravilhoso mundo na inglês.
Começo da tarde - 12;40 - Pra complicara situação Danielzinho traz sua companheira para passar o dia. Mas é assim mesmo. Problemas conjugais do casalzinho, a fome rodando. Sarinha traz uma coleguinha para assisti um filme. Queria comprara alguma coisa fiado no Seu Raposo, mas temo que ele recuse a me vender e não quero passar por esse vexame. O helicóptero do GTA faz um voo rasante sobre a vila. Agora faz um pouco de calor. Danielzinho vem buscar a sua companheira que esta gestante de seis meses. Os problemas bambinianos de sempre. A garganta volta a inflamar e de vez enquanto cacarejo para expelir algum fluido.
- E que Kia se eu te dé um livro, tu vai ler? - Perguntou Larissa inocentemente para a conjugue de Danielzinho que conversa com o Patriarca no quarto.
- Se não for muito grosso.. - responde ironicamente.
- Não, não é muito grosso.
Larissa levanta-se do sofá, toda saltitante e vai ao quarto dela apanhar o suposto livro. Assisto um pouco de tv para relaxar um pouco. Fui comprar três reais de cigarros para minha cunhada que deu-me uma cédula de vinte reais.
- Foi Sara que me deu para comprar não sei o quê para comer amanhã - Explicou-me diante da minha cara de surpresa ao ver a cédula na mão dela. (continua)