Fecha a cortina, arrumam-se as partituras,desmonta-se a estante,
recolhe-se o espigão, desaperta-se o arco, ensaca-se o violoncelo,
enrola-se a fita da guitarra, coloca-se na caixa, segura
fecha-se o tampo, encerra-se o teclado,
sai-se carregado de emoções ainda tensas.
Fecha-se o livro, guarda-se a caneta, arruma-se o papel,
tira-se o guarda-roupa, organizam-se os acessórios,
limpa-se a maquilhagem, coloca-se creme na face,
veste-se o casaco, fecha-se o camarim
A cabeça ainda noutra personagem dói,
os ouvidos ainda sentem o eco das melodias
a voz ainda sente as cordas vocais quentes
de tanta palavra, declamações, entoações
Sente-se uma mescla de odores adocicados
de perfumes raros, femininos,
sente-se a vibração dos aplausos
um ramo de flores na mão levamos
Mas o melhor de tudo é ver-te à minha espera,
jantar nesse sossego dos teus olhos
ouvir a tua voz, sentir a tua mão,
voltar a casa e, no silêncio da noite,
acordar a madrugada
em terna dança
Fecha-se o pano, a cortina,
agora a história é só nossa,
em que somos os actores e artistas principais
e nessa intimidade fazemos a nossa peça
que a manhã solarenga aplaude
em cantos de pardais
Delfim Peixoto © ®