TRISTE ALENTO
Pai, quando os meus pés
Não mais levantarem poeira
Neste árido chão
E minha voz, não mais singrar o espaço
A se perder no azul do céu
Não me busque no horizonte
Nem no burburinho da multidão
Tampouco nas nuvens
Que passam sobre sua cabeça
Encontre-me na luz derradeira
De qualquer pôr do sol
Ou no quedar silente, da vil solidão
Mas, não murmure meu nome, assim à toa
Nem diga que fui a melhor pessoa
Mas se minha ausência te doer
Grite bem alto
Aos quatro cantos do mundo
Que meus olhos guardavam
Todo um mar de pranto
Tão doce e fugaz, leve e inocente
Que de gota a gota, foi-se no vento
Pai, diga a qualquer transeunte
Que minha boca era
Uma caverna amarga
E os meus dentes, estalactites
E estalagmites esculpidas
Pela precisão do acaso
Diga tudo enfim
Que ainda não foi dito
Diga que o meu grito
Era um eco fúnebre
E que minha língua
Era um dragão lúgubre
Que flutuava nas brumas do absurdo
Diga pai
Que meu estômago
Era gaveta pública
Para guardar fome
E projetos políticos.