VINTE DE JANEIRO
Dize-me: O que difere o afetado cheira-rolhas
do lírico e vago redator de cardápios?
Tenho, diante de mim, um vinho precioso e o bebo sozinho.
Se não quero impressionar ninguém com minhas maneiras,
tampouco ignoro a magia que se liberta ao sacar a rolha... O espírito!...
O céu da boca se aveluda à sua passagem
E a língua brinca com o universo de sabores em que súbito é imersa.
Bebo, retenho à boca e engulo.
Tem sabor de improváveis madeiras e cheiro de remotas memórias.
Encho a taça novamente.
O líquido cor de sangue respira finalmente livre.
Ele não pensa. Ele não sente. Ele não respira.
No entanto, ele me faz.
Eu me sinto vivo e a embriaguez é apenas o prêmio final que concedo à minha mente.
Eu sinto o gosto.
O vinho me participa sua glória e se rejubila por habitar em mim.
Sim, ele se alegra por me dar alegria n'esta noite. Estou feliz.
Se artificial e provisório tal paraíso, eu me congratulo por, enfim, conhecê-lo.
Voltarei d'ele alguma hora, tal com se volta de uma viagem ao litoral, cheio de sol, sal e histórias.
A realidade, malgrado dura, não me assusta:
Eu conheci o que é bom!
Betim - 2016
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.