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Vivendo & Escrevendo - XXIII

 
PERGUNTAREI A JUNIOR pelo meu roteiro "Puta Vida" que digitarei para ser o quinto livro publicado pelo Clube de autores - nunca mais entrei em contacto com a poetisa Maday, que tem os originais de "Quem matou Salomas Salinas?" - um livro de contos que também poderia aproveitar. Agora lembrei-me de um fragmento do sonho que tive, onde bebia uma dose para encorajar-me a entrar no clima. O meu e;mail continua bloqueado, onde estão todos os meus arquivos. Um velho Corcel azul cupê dos anos 70. Até quando vou carregar essa cruz da lisura, parece um pesadelo que nunca finda. Nada dar certo, quando vou melhorando vem logo outra atrás. Desde que mamãe morreu é uma sequencia de azares sem fim; O acidente que quebrei o dedo, a tuberculose e agora avizinha-se talvez uma catarata, foram eventos negativos que impregnaram a minha existência. A visão estonteante da loura de vestido - como posso almejar uma companheira sem o essencial que é o dinheiro - maldito e bendito dinheiro - e ele foge de mim como o diabo da cruz, principalmente este ano que desde abril nunca mais peguei uma boa encomenda, parece praga. Se não fosse a benevolência de meu irmão mais velho, o professor, o patriarca já teria morrido a míngua. Almoço e janto graças a ele e minha bondosa cunhada. Nunca mais comprei um livro - caramba. O nariz entupido, Seu Cardoso vindo da caminhada, pergunto-lhe as horas. Ele para levanta o braço esquerdo, apura a vista e consulta o relógio de pulso e meio gaguejando reponde-me - "São nove e quinze" - e retorna ao seu caminho. Seu Berto, o baixinho trabalhador, funcionário publico estadual, lotado na Secretaria de Cultura, puxa o jumento pelo cabresto com a carroça carregada de sacos de cimento para entregar a algum cliente que comprou no Deposito de sua propriedade localizado na sua majestosa residência gerenciada pelo seu filho caçula, fomos vizinhos durante o período em que morei dom dona Vani e todas as manhãs vai tirar capim para seus animais num capinzal para as bandas do Gapara. talvez um dia as coisas mude e melhore um pouco para mim, não quero muita coisa, apenas o essencial, que dê para satisfazer as minhas necessidades básicas, comprar umas roupas, uns livros e outros bens do dia-a-dia. Arranjar uma bela companheira e viver um novo amor. Mas do jeito que estou com os dentes cheios de tártaros e amarelados, roupas rotas, nenhuma mulher séria vai me querer. Não adianta me iludir e assim vou levando, driblando as situações adversas, ocultando-me da convivência social, fugindo dos falsos companheiros, vivendo recluso no meu quartinho, relendo os meus bons livros e escrevendo as minhas agruras. O céu nublado e o tempo esfriaram. Os guris jogam bola na rua, uma senhora fazia a faxina no terraço do Salão do Reino das Testemunhas de Jeová.

ACORDEI CEDO, as seis e quinze estava no banheiro abluindo-me para mais um dia insosso dia. Minha cunhada ainda dormia. Professor saíra para comprar os pães. Seu Pietro cochilava no sofá com a porta aberta, espantou-se quando fui fecha-la. bebi café frio de ontem que dormitou na garrafa térmica, vesti a farda e desci para oficina. Frank Puro, um moreno ajudante de pedreiro esperava o patrão em pé com o capacete na mão. O triste suicídio do desesperado e belo Luciano de Rubempré, o poeta que busca vencer em Paris, sucumbiu na tristeza de ter traído o seu protetor que tudo fazia para fazê-lo feliz. A maestria fina de Balzac nos leva a refletir de como a vida perdoa os fracos de sentimentos. Ainda pouco passou uma grande amiga de Dona van, confesso que deu-me uma vontade louca de perguntar por ela, de declarara-lhe os meus sentimentos, mas uma voz dentro de mim alertou-me para não demonstrar as minhas fraquezas. Sofrerei calado e assim será, não adianta nada a trará de volta, ela me odeia - resta-me apenas lembrar dos bons momentos que vivemos, como nos flashback em câmara lenta, nós dois na praia, rolando na areia, os nossos passeios - nunca vou encontrar uma mulher como ela. Van para mim um êxtase grandioso na minha vida a luz dos meus sonhos. Fui interrompido pela chegada de um cliente que ficou de trazer umas grades para adapta-las a um portão, não as trouxe pensando que eu não havia chegado. Para sair um pouco desse, marasmo que não me leva a lugar nenhum, tomo um comprimido de Bramazepan que me foi vendido por um vizinho afoito para beber uma dose de vinho, foi o meu ultimo real em duas moedas de cinquenta centavos - Daqui a uma hora sentirei os seus efeitos. Um motoqueiro louco andando somente com a roda traseira. É hora de subir o morro, arejar um pouco os pensamentos,deixemos a maré baixar como de costume, talvez quem sabe um dia não escrevo algo valoroso, mas por enquanto o importante não abandonar o barco, perseguir as metas e sonhos.

A TALHADEIRA a minha fiel companheira, pau pra toda obra desapareceu. Comprei fiado uma trena no Comercial Lacerda esperança de advim algum serviço. A Bramazepan fez o efeito depois do almoço acordei quase as seis horas e mais uma vez meus planos foram frustrados - e não visitei a cliente. Assisti a metade do clássico "A Lista de Schindler", o alemão que salvou centenas de judeus da morte certa nos campos de concentração, arriscando a própria vida, escolhendo-o para trabalhar na sua fabrica, onde eram bem tratados. Pensativo vendo o movimento continuou dos veículos, subindo e descendo. As mães levando os filhotes para as escolas - estudantes em bandos alegres e distraídos. O rapaz trouxe as grades, acertamos o preço e ficou de trazer o dinheiro. Seu Cardoso também quer que eu faça um portão. Fiquei feliz ao vê-lo retornar, conversava com seu Drácula, que vai trabalhar na sua propriedade no Aquiles onde constrói um barraco e como de praxe vai levando a 'bicha' para degustar. O rapaz veio fardado, pronto para o trabalho numa repartição, mas infelizmente somente na semana que vem, deu uma desculpa que teve de comprar um remédio, que é controlado. E assim tudo foi por agua abaixo. O vendedor de frutas empurrando o carro de mão abarrotado de laranjas e bananas, vendendo-os de porta em porta. Mas as esperanças continuam, tenho fé em Deus e na vida. Coloco uma das grades em exposição na calçada para chamar atenção de algum futuro cliente. Uma carroça pesada, carregada de trilhos para laje e o jumentinho puxando com dificuldade para subir a ladeira. Na terceira viagem o carreiro, um senhor baixinho, com um chapelão de palha na cabeça e um bermudão frouxo amarelo que ia até os joelhos continuava agoniado na sua lida sem se preocupara com os comentários dos outros. Na primeira viagem, assim que saiu do deposito de Seu Biné, um cidadão que estava na parada de ônibus reclamou sobre o peso que o animalzinho carregava, zangado ainda parou a carroça em frente a Madeireira Bastos para ouvir e proferiu uma serie de palavrões. Encontrei a talhadeira perdida no meio de uns pedaços de ferros. Seu Drácula, guerreiro incansável quando não seta exercendo a sua profissão de pedreiro, trabalha fazendo frete na sua carroça, nunca para sempre em atividade. Aleluia! Aleluia! J'ai gagné dix real avec une soude du niece de Mano Brown. Muchas Gracias , Señor!
Sento-me a beira da cama, encostado na janela, o vento farfalha os galhos, as folhas da romãzeira e seus frutos quase maduros. A sombra cobre o terraço, um sol forte banha a rua com uma intensa luminosidade. Para minha tristeza a Biblioteca Itinerante não apareceu, conversei com uma senhora que tem uma banca improvisada de vender merenda aos alunos, informou-me que eles não têm vindo. Finalizei "Esplendores e Misérias das Cortesãs" do genial Balzac. O céu límpido e azulissímo . Hesito entre dois mestres - Proust e Tolstoi - acho que lerei "Sodoma e Gomorra" - Proust me fascina com seu estilo fino e aristocrático de contar o seu belo tempo perdido - Fico feliz em vê-los na minha pequena biblioteca, esse privilegio de lê-los no momento que desejo, esses senhores mestres na sua arte. Guardei "Ana Karenina" que depois lerei, mas tem também Cervantes, Kerouac, Boutefeu - que ainda leio. Depois de muito esperar, primeiro no Seu Cardoso e na Irmãzinha da Rua 25, conseguir falar com Gugu, o pedreiro e receber o adiantamento de cento e cinquenta reais para comprar os ferros para fazer-lhe um portão para seu imóvel alugado a Irmãzinha. Já tinha desistido, quando fui alcançado pela filhote dela que gritava depois da Barbearia de Seu Costa meu vizinho. Aleluia! Aleluia! Muchas Gracias, Señor!


 
Autor
r.n.rodrigues
 
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