Cenário
Era uma noite bastante fria, não havíamos conseguido mudar o voo de Sarnia para Toronto, e tivemos que fazer uma longa viagem de Brighton para Sarnia, e passamos a noite de Natal em um resort neste porto na região dos grandes lagos do Canadá. No dia seguinte embarcaríamos em direção a Montreal.
Na estrada entre Brighton e Sarnia passamos por longos trechos cercados pelos resistentes pinheiros cobertos de neve, lagos congelados, e as assustadoras “nuvens fantasmas” que surgem do nada e atrapalham a visão do motorista.
Ao cortarmos caminho por uma estrada vicinal pudemos ver a beleza de pequenos casebres com suas chaminés e decorações natalinas.
Ao chegarmos ficamos encantados com o espetáculo de luzes e neve ao longo de toda a região portuária da cidade de Sarnia. A neve caindo em finos flocos, as figuras típicas do natal decoradas ou desenhadas com luzes néon.
Eram 20 horas, na véspera do Natal, quando após os procedimentos de chegada no Resort, nos dirigimos, eu, meu filho Victor Hugo e o amigo canadense William para o local do espetáculo em campo aberto denominado “Natal de Luzes”.
O local coberto de neve, era frequentado por um bom número de turistas, nevava, mas felizmente não chovia. O frio era intenso, algo como 2 graus negativos, com temperatura percebida de menos 5 graus Celsius (ah, aqui no Canadá, eles utilizam o sistema Fahrenheit).
A neve cobria as longas botas com galochas (só me lembrava de ter usado na época do curso primário), e era uma sensação indescritível ver a alegria incontida daquelas crianças entrando nos diversos brinquedos iluminados de forma magistral, artística.
As crianças trajadas como esquimós se divertiam nas casinhas de madeira com seus pais, arremessavam bolas de neve e seus olhinhos saltavam das órbitas, pois algumas horas depois, aguardariam a chegada de Santa Claus, Oh! Oh! Oh.
Havia previsão de uma forte nevasca para aquela noite, mas o natal de luzes desafiava o rigor do tempo.
Nunca havia passado uma noite de natal no hemisfério norte, foi uma experiência maravilhosa, na antevéspera havíamos feito a ceia antecipada junto com os familiares de William, o nosso companheiro de jornadas, próximo de completar 75 anos, havia sido um caminhoneiro de cargas de amianto.
Após um breve jantar em um restaurante típico canadense – aliás um dos raros estabelecimentos ainda abertos àquela hora, ou seja, 21 horas – nos dirigimos para o Resort, onde passaríamos a virada da noite de natal. O Resort estava quase vazio, além de nós, havia somente mais 5 hóspedes que se deslocavam em viagem de negócios segundo a recepcionista.
Durante a madrugada, as previsões se confirmaram, caiu uma grande nevasca na cidade, ao acordarmos a neve cobria próximo de 30 cm – isso mesmo – no asfalto. Alguns veículos corta-neve passavam nas ruas principais e calçadas tentando desobstruir os acessos.
Após um típico café da manhã com lombo canadense, salsinha alemã, torradas e batatas raspadas, acompanhadas de chocolate, ficamos apreciando o tempo que nos impedia de sair lá fora. O resort ficava ao lado de uma grande ponte que ligava a cidade de Sarnia aos Estados Unidos.
Mais tarde, parou de nevar e diminuiu o nosso temor de não podermos viajar, pois as condições de voo não seriam favoráveis para decolar. O nosso bom amigo junto com a companheira Mary nos pegou no Resort e nos convidou para um “brunch” beneficente que começaria às 12 horas.
Qual não foi a nossa surpresa que o local era um cassino e que já havia várias pessoas “fissuradas” na entrada aquecida, para jogarem. Alguns comentavam o absurdo do cassino fechar a partir das 6 horas da tarde na véspera do natal e só abrir às 12 horas do dia seguinte, “... afinal como nós vamos nos divertir, não estamos interessados na noite de natal”.
Era impressionante a quantidade de pessoas idosas, algumas em cadeira de rodas mecanizadas, outras com “andador” ou portando bengalas. Logo que abriram o cassino, muitas sequer foram lanchar, logo se dirigindo para uma das máquinas caça-níqueis, jogos de pôquer em terminais eletrônicos ou, mesmo para a tradicional roleta ou, ainda para a mesa de “blackjack”.
O meu amigo explicou que muitas pessoas eram solitárias, ou ranzinzas e tinham no cassino, o seu local de sofrimento e prazer, afinal, dizia: “... de uma forma ou de outra querem gastar o dinheiro das pensões ou de herança, mas nem todos “são viciados” em jogo, às vezes ficam algumas horas, jogam 20 dólares e vão embora, voltando dias depois...”.Após o “brunch” nos dirigimos para o Aeroporto de Sarnia e foi emocionante a despedida com a generosa oferta de presentes do casal de amigos canadenses.
Ao embarcarmos, sentimos um frio na espinha, como se diz em nossa gíria, pois era um pequeno jato bimotor Cessna com apenas 12 lugares, a pista estava tomada em neve, e houve um trabalho exaustivo da equipe de segurança de voo para limpar toda a neve do pequeno bimotor e abrir caminho na pista.
A despeito do estado da pista, o Cessna decolou e em poucos minutos já estava a mais de 10 mil pés de altura e voávamos com segurança. Chegamos a Toronto a tempo de tomar o voo para Montreal e assim deixamos para trás a província de Ontário e a região dos grandes lagos e uma família adorável que nos recepcionou com um carinho inimaginável.
Epílogo
Esta foi a maior aventura que tivemos, eu e o Victor Hugo, em um dia de natal, chegamos à noitinha em Montreal, havia tido nevascas há poucos dias e um jovem com fluente francês nos orientou através de um GPS no celular, a chegar ao nosso hotel. Parecia que mudávamos de país, mas agora estávamos na província de Quebec e novas aventuras nos aguardariam nos poucos dias que nos restavam para visitar Montreal e a velha cidade de Quebec.
Mas estas são outras histórias, para contar em outro momento.
AjAraujo, o poeta humanista relata a aventura vivida em Sarnia, na região dos grandes lagos, na província de Ontário, no Canadá, durante o Natal de 2012.