Poemas : 

O poeta não escreveu

 
O poeta não escreveu
do que sentia
quando te olhou: perpetuamente dormias,
e, no silêncio calado do teu grito,
na boca franqueada ao queixume incontido,
no sangue coalhado, confiscado, proscrito,
já zuniam orgias de bailados,
vespas negras,
varejeiras sujas, gordas, largas de tão longas,
ao longo do teu corpo, do teu rosto,
d’artérias e de rugas.

O poeta não escreveu
do que sentiu,
quando te viu, ali mesmo a seu lado, apodrecido,
decomposto, morto de dias,
derrocado, como se posto, de bruços na valeta.

O poeta não escreveu,
do enjoo, da repugnância, da náusea, da agonia …
- Não de ti, mas de si mesmo, que passou
e não te viu, não vislumbrou. Mareado, chorou!

O poeta não escreveu… porque não tinha caneta.


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Autor
Mel de Carvalho
 
Texto
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Enviado por Tópico
Paulolx
Publicado: 22/02/2008 11:35  Atualizado: 22/02/2008 11:35
Da casa!
Usuário desde: 29/10/2007
Localidade: Norwich, Inglaterra
Mensagens: 235
 Re: O poeta não escreveu
De uma beleza e profundidade impressionantes.
Obrigado!
Já agora Peniche é dos sitios que mais me inspira.
Tenho algumas saudades dessas escarpadas e solitárias arribas sovadas ad eternum por um mar que tanto diz sem palavras...
Obrigado pelos teus poemas.


Enviado por Tópico
MariaSousa
Publicado: 22/02/2008 22:02  Atualizado: 22/02/2008 22:02
Membro de honra
Usuário desde: 03/03/2007
Localidade: Lisboa
Mensagens: 4047
 Re: O poeta não escreveu
Muito, muito bom, Mel!

Aplaudo de pé para que voltes ao "palco"

Adorei, Amiga!

Os nobres sentimentos da Poetisa estão bem claros neste poema...

Bjs


Enviado por Tópico
luísfilipepereira
Publicado: 13/10/2008 15:59  Atualizado: 13/10/2008 15:59
Participativo
Usuário desde: 12/10/2008
Localidade: Lisboa
Mensagens: 15
 Re: O poeta não escreveu
Mel, eu que venho acompanhando a sua escrita de maneira fascinada, apenas posso reiterar que é mais uma óptima construção poética este seu texto:
pleno de humanidade e com um interessante alcance metapoético, no sentido em que nem sempre o poeta é capaz de verter sob o claustro das palavras o que deveras sente. Também o poeta tem muitas vezes as mãos vazias e os pulsos recuam-lhe à míngua da caneta.
Se me permite, muito gostaria de poder convidá-la e contar com sua presença no lançamento de meu livro de poesia no dia 29 de novembro, 16h, chiado, lisboa, pelo que, caso manifeste vontade de estar presente no evento, muito gostaria de enviar-lhe um convite.
Abraço poético
Luís filipe Pereira
www.lippepereira.blogspot.com